Impulso, compulsão e vazio
Neiva Giron
Golconde, R. Magritte, 1953
Shopping, supermercados, produtos de beleza, internet, bebidas...
Em um final de tarde ao sair do meu trabalho, avistei da calçada uma vitrine linda, foi o suficiente para que eu desse alguns passos e lá estava dentro da loja em busca pelos lançamentos da temporada outono/inverno. Olhei alguns itens e me senti atraída a comprar um vestido. Mas não me dei por satisfeita, pensei que pudesse encontrar ali um calçado que combinasse com o referido vestido. Adivinhe, achei o sapato. Quando me dirigi ao caixa comecei a pensar no que acabara de fazer. Bateu uma vontade enorme de devolver o sapato, pois já tenho um em casa que dá perfeitamente para ser usado. Mas constrangida por ter feito a vendedora buscá-lo, o levei. Porque será somos levados ao consumo inconsciente?
Não é de hoje que há o problema do consumo sem desmedido. Já vi muitas pessoas reclamarem que não sabem por que compraram isso ou aquilo, que não resistem a liquidações, promoções e nem a belas vitrines..que muitas das mercadorias compradas nem chegam a ser usadas e o pior: que se não realizam o desejo passam mal e chegam a adoecer.
Não importa se é aqui em Cacoal ou em uma grande metrópole, o consumo de qualquer natureza tem se intensificado, isso não é só pelo aumento de consumidores, mas sim pelo aumento do desejo por compra de cada consumidor.
Podemos atribuir esse mal ao capitalismo que desperta em nós pobres mortais, as necessidades de consumo que nem sequer sabíamos que possuímos? Ou será que isso se dá pelo vazio que carregamos no mais intimo de nosso ser?
“Homo consumistum”
O mundo todo é consumidor e mesmo antes de nosso nascimento, já consumimos bens e produtos colocados à disposição pelo mercado voraz; após nascermos o consumo vai crescendo assim como a nossa vida, não importa a classe social e mesmo que consumam mais que outros. Fato é: o consumo faz parte de todos os indivíduos do planeta. Todo ser humano é um consumidor, pois come, veste, diverte....e daí, compra automóveis, casas, livros, eletroeletrônicos, CDs, TVs a cabo, telefones e toda a sorte de itens, sempre no plural, posto que apenas um, não resolve. Sem contar que grande parte do que é consumido em casa, quem determina ou influencia a compra são as crianças que, segundo pesquisas, já são responsáveis por 80 % do consumo total. Mas o que acorre quando compramos sem necessidade? Por que não resistir aos apelos que o sistema capitalista aliado às mídias famintas nos impõe?
Na sociedade capitalista vários são os motivos que movem um indivíduo a comprar: necessidade real, carência afetiva, manutenção do status, adquirir poder ou projeção imediata, modismo, apelo do marketing, influência de determinado grupo de convívio, ilusão de segurança etc.
O ser humano é por “natureza”, um ser insatisfeito e que em busca de satisfação acaba seduzido pelos apelos mercadológicos. Esse comportamento pode funcionar como mecanismo de compensação para outras carências que estão bem distantes do universo material.
O impulso ao consumo
Não há um motivo bem estabelecido para a ocorrência de comportamentos compulsivos: pode-se falar em vulnerabilidades e predisposições, seja do ambiente familiar, tais como os hábitos conseqüentes à extrema insegurança e aprendidos no seio familiar; seja por razões individuais e relacionados às experiências do passado e a ao dinamismo psicológico pessoal; ou ainda por razões biológicas e de acordo com o funcionamento orgânico e mental.
Os comportamentos compulsivos ou aditivos podem ser entendidos como atitudes (mal-adaptadas) de enfrentamento da ansiedade e/ou angústia, trazendo conseqüências físicas, psicológicas e sociais graves. Alguns indivíduos apresentam comportamentos com caráter compulsivo, que levam a conseqüências negativas em suas vidas, como por exemplo, recorrer ao uso abusivo do álcool e de outras drogas, à fuga da convivência social, ao hábito intempestivo do vômito e às mais variadas atitudes.
Essas pessoas podem ainda comprar compulsivamente, sem levar em conta o saldo bancário, comer compulsivamente, mesmo quando não se tem fome, jogar abusivamente, praticar atividades físicas em excesso, etc.
Normalmente esses indivíduos sentem desconforto emocional se não fizerem esses comportamentos, apresentam grande angústia ou ansiedade na ausência ou na impossibilidade de realizar tal ato compulsivo.
Socialmente a ocorrência de tais comportamentos pode resultar em prejuízo no trabalho, na conclusão de tarefas, na liberdade de sair de casa, na vergonha do contato com outras pessoas etc.
O sistema emocional pode ficar comprometido quando se depara com um comportamento compulsivo e constante, comprometendo a realização satisfatória de outras atividades da vida e proporcionando sofrimento expressivo em outros aspectos.
O consumo consciente
Atualmente, as relações afetivas estão sendo postas em segundo plano e o ter passa a ser mais importante do que o ser. O lema é “pronto para o consumo”. Somos estimulados a todo o momento adquirir novidades, pois o celular que me está sendo útil hoje, amanhã já é sucata. Isso ocorre com carros, computadores, roupas para acompanhar as tendências, entre outros.
Mas, há diferenças entre o comprador eventual e o compulsivo. Pois há o que compra por necessidade e o que necessita comprar por comprar. Ao indivíduo que considera importante comprar por comprar, não importa o “que”, e neste caso detecta-se a compulsão.
Falar em comprar por compulsão parece bobagem, que é mau hábito de quem o faz. Não! Isso pode ser uma doença. Você já se perguntou quantas vezes compra algo sem necessidade? Quando está comprando algo se perguntou: realmente preciso comprar isso? Quem deseja melhorar precisa estar consciente de que sofre de um distúrbio e que precisa procurar ajuda. O tratamento psicológico procura identificar as raízes do problema, daí, algumas pistas de apoio:
- Evitar tentar preencher a sensação de vazio interior com produtos materiais;
- Evitar ceder aos estímulos oferecidos pelos comerciantes;
- Prestar sempre atenção nos atos de excesso e tentar analisar o motivo da aquisição;
- Saber distinguir o supérfluo do que é que realmente necessário;
- Evitar o uso de cartões de crédito e procurar pagar todas as compras à vista e, de preferência, com dinheiro.
Saiba mais:
Instituto Alana: desenvolve atividades em prol da defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes relacionadas a relações de consumo em geral, bem como ao excessivo consumismo ao qual são expostos - http://www.alana.org.br
LINN, S. Crianças do consumo: infância roubada. Trad. Cristina Tognelli. São Paulo: Instituto Alana, 2006.
[Cena] Acadêmica
:
Dissertação de Mestrado:
CULPA E DESCULPA: O sentimento de culpa e a pós-modernidade
Autor: Cleber Lizardo de Assis
Instituição: PUC Minas
Resumo:
Nesta dissertação de cunho qualitativo, utiliza-se de pesquisa teórica com fonte bibliográfica; apresenta-se um breve e introdutório histórico da culpabilidade nas idades antiga, média e moderna, como marca e herança do pensamento religioso que marca nossa cultura ocidental. Trata-se do contexto da pesquisa, situando-a na pós-modernidade com suas características que marcam a configuração do laço social e dos processos de subjetivação, elementos que foram utilizados posteriormente para relacionar com o tema da culpabilidade propriamente dita. Destacam-se os elementos caracterizadores da modernidade e sua transição para a controvertida pós-modernidade, com ênfase num estado de coisas em que o laço social se fragiliza e os processos de subjetivação se empobrecem acentuadamente, encontrando em diversos sofrimentos psíquicos e sociais suas manifestações. (“tempo do universal” da pesquisa). Reflete-se sobre a temática específica do sentimento de culpa em autores de base da pesquisa, S. Freud e D. W. Winnicott, cujas obras são revisitadas para o fornecimento de suporte conceitual e epistemológico às argumentações principais do autor. As obras psicanalíticas foram lidas, organizadas e tratadas de forma temática, onde o sentimento de culpa se relaciona a outros conceitos importantes para a sustentação argumentativa. (“tempo do particular” da pesquisa). A partir do encontro desses “dois tempos” da pesquisa reserva-se espaço para as articulações entre campos e autores contemporâneos que tratam de temas correlatos e problematizam o ethos contemporâneo na sociologia, na filosofia e na própria psicanálise, servindo de suporte às apropriações e argumentações do autor acerca das configurações pós-modernas do sentimento de culpa na sua dimensão clínica e social. Finalmente, retoma-se aos objetivos, a problematização e a hipótese acerca das configurações da culpa na pós-modernidade, sobretudo, defendendo a lógica de se pensar a culpabilidade em seu continuum psíquico e social, seja operando nos diversos sofrimentos e nas possíveis intervenções clínicas e
sociais; argumenta sobre a configuração de duas modalidades ou configurações especiais de culpabilidades expressas sob os nomes de hiperculpa e hiperdesculpa ocorrentes na pós-modernidade com influência sobre o laço social e os processos de subjetivação, levando a conseqüências a sofrimentos psíquicos e sociais.
Disponível em:
Crônica em [Cena]:
Minha nova certeza
Há algum tempo, venho suspeitando. Aqui e ali, certos momentos, as vozes do corpo, palavras de quem me cerca... São sinais. Precisava parar e entender. Para isso, uma dose de coragem, outra de decepção, e uma de esperança.
Coragem porque não era somente o calendário que gritava diante dos meus olhos. 1962 estava cada vez mais longe. Goulart, Arraes, Kennedy, Kruschev... Ônibus elétrico na Av. Conde da Boa Vista, Aero Williys, Dom Hélder, Fanini, Francisco Julião... Nomes e coisas tão faladas durante aqueles anos agora sumiram do vocabulário. A Jovem Guarda, hippies, brasa mora, lambreta, pra não dizer que não falei das flores... Tanta vida guardada num baú da memória. Num pequeno pedaço da mente.
Decepcionei-me. Mostrei no Google esses personagens. Que roupas ridículas! Que penteados horrorosos! Que carros horríveis! Como alguém poderia ser feliz nesse tempo, desse jeito, com essas coisas? - comentaram meus filhos. Tentei explicar, justificar, argumentar e até mesmo convencer. Inútil. O celular tocou. Chegou um e-mail. Baixou o novo espetáculo da Beyoncé. Ninguém fala mais da Lua. Sputnik. Cortina de Ferro. Agente 86. Pedir a bênção ao pai e à mãe. Ouvir uma história antes de dormir... Descobri que explicações, justificativas, argumentos e convencimentos têm prazo de validade somente enquanto pertencem a uma geração.
Falar daquele tempo - daquele planeta! - virou uma chata aula de história antiga, ou divertidas piadas. Fotos em preto e branco. Super 8. Irmãos Coragem. Rin Tin Tin. As balas do mocinho que nunca se acabavam e aquela pontaria horrível do bandido. Na tela, pouquíssimo sangue, beijos discretíssimos, happy end. Nas ruas, estudantes surrados; trabalhadores presos. Tortura. Exílio. Neruda, Tolstoi, Maria Clara Machado, Exupéry, sítio do picapau amarelo, Dostoievski - o que será tudo isso?
Ontem era tão perto. Agora está terabytes distante. Ontem era tão simples. Agora requer milhares de explicações. Ontem era tão vivo. Alguém se interessaria em cloná-lo?
Meu corpo pari passu se aproxima do meio século. Enfado? Vá para a academia. Dores? Tome um analgésico. Irritação e pouco sono? Que tal um tranquilizante? Saudosismo? Visite um psicólogo. Não é entendido pelos novos? Terapia ou silêncio. Atualize-se! Ainda não tem facebook? Não carregou a bateria do celular hoje? Não viu os e-mails? Não se conectou para saber agora, agorinha, as últimas notícias?
Talvez algum museu precise de um representante da pré-histórica década de sessenta. Quando os cachorros e gatos comiam os restos do prato (e eram fortes e saudáveis!). Quando se saía de casa para estudar, trabalhar e se divertir sem celular (e se voltava na hora combinada!). Quando se cultivava amizades por longos anos sem câmeras online (havia uma coisa chamada carta, escrita à mão, revelando sentimentos em cada letra, sem emoticons; e outra coisa chamada visita, quando as pessoas se abraçavam e sentiam o cheiro do cafezinho). Será que tudo o que vivi é útil para meus amados filhos, para a preciosa juventude da igreja, e para meus alunos-amigos...
É. Minha nova certeza é que envelheci. E isto precisa ser bom! Sinal de esperança. Voltarei a escrever cartas (imagine a surpresa de quem as receber!), mas não desligarei o computador. Conversarei sobre o passado, mas sem a presunção de que aquele tempo é que era bom, pois somente temos o presente para viver intensamente. Claro que usarei o celular. Continuarei curtindo músicas e filmes "antigos", mas não dispensarei as recentes produções artísticas de alto nível. Relerei as páginas amareladas de livros, ao mesmo tempo em que não recusarei as excelentes publicações da atualidade. Talvez não diga mais "brasa mora": quem entenderia?! É prudente aprender a fala do momento e a sepultar o trema (que pena!).
Tenho esperança. Ainda creio que a nossa mais simples necessidade vital é ser amado - com falas e toques, cheiros e temperaturas, silêncios e olhares, certezas e dúvidas, lágrimas e sorrisos, pão compartilhado, flores exuberantes, crianças brincando, velhos felizes, adolescentes inquietos, jovens vibrantes, encontros e saudades, mãos juntas, comidas deliciosas, solidariedade, simplicidade, companheirismo, fé. Que bom ter nascido e merecer de Deus chegar até hoje!
Jornalista, professor universitário, pastor batista, mestre em Teologia e membro da Academia de Letras de Cacoal (RO)
Orientação para submissão de trabalhos: 1) Público-alvo: estudantes, pais, educadores; 2) Pede-se linguagem acessível, de contribuição psicossocial, mas sem o formato acadêmico clássico; 3) Priorizar temática com relevância social, a partir do campo psi em suas mais diversas teorias e abordagens; 4) Formato do artigo: média de 800 palavras, fonte garamond 12; 5)Metodologia “Cenas”: buscar a seqüência de “cenas” cotidiana, contemporânea, pática e outras (profiláticas/interventivas etc); 6) Além de artigos, poderão ser submetidos materiais inéditos de outros formatos: poesia, charges, crônicas, breves contos etc 7) Email para envio: kebelassis@yahoo.com.br
[Cenas] é um periódico de psicologia e psicanálise, de produção independente e pode ser reproduzido desde que citados a fonte e a autoria; objetiva a discussão das cenas humanas na atualidade, em perspectivas psi, multidisciplinares; tem por base conceitos como acessibilidade, sociabilidade e conhecimento com relevância social – criador e editor: Cleber Lizardo de Assis – edições anteriores para baixar e circular: http://cenasdecadadia.blogspot.com
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