terça-feira, 27 de agosto de 2013

[Cenas] decadadia Psicologia e Psicanálise Nº 16 – Maio-Ago/2013 - O HUMANO: ESSE ESTRANHO - ISSN 2176-8005

[Cenas]
decadadia  Psicologia e Psicanálise       Nº 16 – Maio-Ago/2013 - ISSN 2176-8005
O HUMANO: ESSE ESTRANHO


Editorial:

Apresentamos o Cenas, edição 16-maio/agosto 2013, onde trataremos da Estranheza: o humano tão comum mas tão estranho, o estranho no humano, o estranho no outro e no social.
Nessa lógica, o primeiro artigo A expressão camuflada da violência: nossa participação nesse processo antropofágico, fala das contradições em torno da vivência do fenômeno da violência; O artigo A busca por repostas mágicas: sequestrando o indivíduo do mundo real trata do fenômeno pós-moderno de abuso de medicamento para lidar com nosso o nosso estranho mal-estar; o terceiro artigo, Esse nosso estranho de cada dia com uma breve perspectiva da nossa constituição e funcionamento estranho segundo a Psicanálise.
Segue na seção Cena-Poética, A casca sobre os dilemas da lida com as estranhezas que temos que tratar na relação com o outro/eu; em Foto-Cena cotidiana, Edson, na-morador de rua retratos de um personagem amante nas/das ruas de Cacoal, cena que deixamos estranhar nos diversos ambientes urbanos.

            Boa leitura e boas cenas!      Prof Ms Cleber Lizardo de Assis, Editor.

ARTIGOS:

A expressão camuflada da violência: nossa participação nesse processo antropofágico, Vanda Rodrigues Lopes........................................................................pag 02
A busca por repostas mágicas: sequestrando o indivíduo do mundo real,
Jéssica Martins de Assumpção.........................................................................................pag 07
Esse nosso estranho de cada dia, Cleber Lizardo de Assis......................................pag 11

CENA POÉTICA: Cascas, Natália Gregório...................................................................pag 15
FOTO-CENA COTIDIANA: Edson, na-morador de rua................................................pag 16





A EXPRESSÃO CAMUFLADA DA VIOLÊNCIA: NOSSA PARTICIPAÇÃO NESSE PROCESSO ANTROPOFÁGICO
Vanda Rodrigues Lopes.[1]

A violência lícita
            Toti é um garoto curioso de 6 anos, é filho de pais separados,  presencia a luta do pai trabalhando no plantio de horta para vender na feirinha da vila. A mãe de Toti vive na cidade um pouco mais distante, trabalha como acompanhante de luxo de empresários que visita a cidade. O pai não permite a convivência diária de Toti com a mãe, por não aprovar o seu trabalho. O menino sente falta da mãe e tenta entender porque o pai não aprova o trabalho dela. É um garoto que corre solto pela vila, convive com muita gente, é um tanto tímido, gosta muito de jogar futebol com seus amiguinhos e é estimulado pelo pai que tem uma paixão por esportes, leva o filho a todos aos jogos e lutas que conseguem entrar, além de assistirem tudo juntos na TV.
            O Sr. Naldo pai de Toti[2] tenta compensar a ausência da mãe, que ele mesmo faz questão de manter, pois não suporta a ideia da mãe de seu filho ter a profissão que tem. Fala para o filho que a mãe empresta o seu corpo a estranhos por dinheiro, e faz isso parecer para o filho uma situação imperdoável. Aconselha o filho a praticar esportes e lutar para ser sempre o melhor, além de afirmar o tempo todo que é necessário ajudar e apoiar sempre os coleguinhas.
            Certo dia Toti assistindo com o pai, um jogo de boxe na tv, vê sua euforia quando o seu ídolo da luta soca o seu oponente, dizendo “tá vendo filho você também um dia será um vencedor e terá muito dinheiro”. Toti fica assustado, então num repente o filho desarma o pai com uma pergunta nada inocente: “pai, a mamãe não sente dor quando empresta o corpo dela? Porque o outro lutador que empresta o corpo dele para o campeão bater, parece sofrer muito e sentir muita dor e também sai sangue, é por isso que você gosta tanto dele? Mas não gosta que a mamãe empresta o corpo dela?”



A violência aos olhos da criança

             Ao nascermos já possuímos uma carga de expectativas em relação às competições da vida, seja pelo esporte ou por um bom salário. Na escola desde o ensino infantil somos incentivados a praticar esportes, ou seja, competir; é provável que, por ouvir muitas vezes a frase “não é suficiente participar é preciso ser o melhor”, cristalizamos esse modo de pensar e passamos então a praticá-lo. 

No decorrer da vida tudo tem um preço, se alguém triunfar, é certo que alguém foi derrotado. E quem está preocupado com o preço que pagou aquele derrotado?  Nestes termos o importante mesmo é triunfar.
            Por outro lado ouvimos pregarem sempre que devemos nos preocupar, ajudar e apoiar aos outros, e que o ser humano depende e apoia um ao outro. Pensamos agora: de que forma uma criança de 6 anos interpreta esses dois ensinamentos que vão aprendendo paralelo ao outro? Como é possível apoiar, ajudar o coleguinha, quando na verdade preciso estar atento o tempo todo para ser sempre melhor que ele?
            Quando crianças, os esportes mais praticados são os jogos de bolas, onde desde muito cedo sempre terá alguém com sentimento de derrota, por mais simples que seja uma competição: é necessário haver sempre um perdedor para contrastar com o vencedor ou seja, para que possa triunfar o vencedor . Ao cristalizarmos essa maneira vigilante de agir, sempre buscando o primeiro lugar, é possível sobrar espaço para ajudar o outro, e como é esse ajudar? se você der a dica, é provável que o outro consiga te ultrapassar, vencer , então você passa ser o derrotado.

A Violenta paixão dos adultos
            Ao avançar na vida adulta, vemos na televisão ou ao vivo as lutas de boxe e MMA, também chamadas de esportes, pois são disputas por grandes quantias de dinheiro onde; para haver um vencedor, há sempre alguém sangrando, por ser esmurrado até o limite. Quando um cai ao chão todo ensanguentado a plateia vai a loucura, e o agressor, ou seja, o “praticante de esportes” é aplaudido de pé pelos telespectadores. Eis o Herói, aquele que agride com permissão. Enquanto o agredido, ou seja, o “outro praticante”, fica no chão sangrando, sentindo dor e ouvindo os gritos da galera ao vê-lo nessas condições. O que há de errado nisso?
            E o que são estas pessoas que se divertem diante de tanta violência lícita, como é a personalidade dessa pessoa, que vai à loucura ao ver um ser humano jogado ao chão e sendo esmurrado até o seu limite? qual a classificação desse tipo de prazer? E diz-se que gosta de esportes? Fora das lutas todos lutam contra violência, quem tem mais dinheiro compram carros blindados, fazem muros altos em suas casas, pagam seguranças para se proteger da violência, tão parecida com que acabara de aplaudir como esportes.
              Segundo Viemero (1986), a exposição intensa a cenas de violência torna as crianças, a longo prazo, mais agressivas. No cotidiano da clinica psicológica atendemos crianças encaminhadas pelos professores por agressão ao coleguinha, geralmente com queixa de ter perdido o jogo para o coleguinha, ficando irritado e o agredindo. Outra variável importante apontada pelo autor é  quando se trata de adolescentes, depende a longo prazo, do grau de identificação que estes têm com certos personagens.
De modo geral, define-se “violência” como sendo o uso de palavras ou ações que machucam as pessoas. É violência também o uso abusivo ou injusto do poder, assim como o uso da força que resulta em ferimentos, sofrimento, tortura ou morte. Segundo o Dicionário Houaiss, violência é a “ação ou efeito de violentar, de empregar força física (contra alguém ou algo) ou intimidação moral contra (alguém); ato violento, crueldade, força”.
No aspecto jurídico, o mesmo dicionário define o termo como o “constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém, para obrigá-lo a submeter-se à vontade de outrem; coação”. Já a Organização Mundial da Saúde (OMS) define violência como “a imposição de um grau significativo de dor e sofrimento evitáveis”.
A violência nos é apresentada pela história, desde o início da humanidade, através de grupos dominando outros grupos, as guerras que sempre existiram; como a destruição das grandes civilizações das Américas; a intolerância religiosa levou à queima das bruxas em praça pública; os regimes totalitários, e a queda desses regime; tudo isso são exemplos da violência na civilização. (Ceccarelli, 2011, pag 33-34), porém a violência só passou a ser tema discutido na mídia como um tema preocupante a partir de 1980.
A Organização Pan-Americana de Saúde (Opas, 1993, 1994) discutiu em sua 49ª assembleia, o tema da violência como prioridade, sendo um dos cinco principais objetos de políticas especificas para a América Latina, nos dez primeiros anos do século 21.
As manifestações violentas são disfarçadas de formas variadas, sutis e, muitas vezes, bem camufladas por trás de um cenário tranquilo, como em um ringue passando por cultura, batizado de esporte. Logo o termo violência parece variar, pois o que parece violento em certas culturas torna-se uma expressão natural em outras formas de organização social; a pena de morte, por exemplo nos (Estados Unidos e na China) é apenas uma medida punitiva.  Fazendo referências ao socos que assistimos na TV, ou em locais preparados para ser uma competição, são apenas esportes , agora se é na rua, chamem a polícia é violência.
            Para Lacan, a agressividade está correlacionada com o modo narcísico de identificação: o outro, o diferente, o que nos remete à castração, constitui um alvo por excelência de nossa agressividade. Entendendo que somos agressivos por sermos castrados
Para que acha o gozo narcísico, é necessário Adaptar as pulsões à cultura, logo as disputas planejadas seriam um meio de acesso ao simbólico, sendo possível pela introjeção das representações culturalmente aceitas, como nas lutas de boxe.


A Violência que impõe o medo
            Viver na cidade hoje é um risco constante, a violência passou a fazer parte da vida das pessoas ao ponto de não ser tão impactante como deveria. Mas uma coisa é certa todos querem se proteger.  Como vemos que violência não é privilégio do momento, já vem sendo praticada desde os primórdios, porém as estatísticas mostram que vem crescendo o número de violência praticada. Existem delegacias especializadas em punir diversos tipos de violência contra mulher, idosos adultos e crianças. Mas será que alguém está preocupado em intervir na nascente, ponto principal, onde é gerada essa cultura da violência?
Ao assistir tv ou brincando, a criança aprende sobre o mundo e atua como agente ativo em seu próprio desenvolvimento, sua capacidade imaginativa toma forma, constrói a autoconfiança e, claro, vai tecendo seus laços afetivos, aprende sobre a realidade e vai construindo essa realidade. No entanto a psicologia vem lidando com psicopatas que, ao praticarem seus crimes, se inspiram em personagens considerados heróis, exibidos na tv sem censura. Então seria esta, a violência cultural?
Na percepção de Toti, a profissão da mãe e de um lutador de boxe são iguais, o objeto, o empréstimo e a função: já que ambos emprestam o corpo para ser usado por outro em função do dinheiro. Sua dificuldade é entender porque um é herói e outro não, então pensa que a diferença está na dor.
Considerando a definição que tivemos de violência, onde está a diferença da violência entre bater num ringue e bater na rua? Estaria no fato de se permitir ser agredido? As crianças conseguem entender essa “diferença”?

REFERÊNCIAS

AQUINO, J. G. A violência escolar e a crise da autoridade docente. Cad. CEDES vol.19 n.47 Campinas Dec. 1998. Disponível em:                                          <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0101-32621998000400002&script=sci_arttext>.

CECCARELLI, P. R. Violência e Cultura. Disponível em: <http://ceccarelli.psc.br/pt/?page_id=175>.

OLIVEIRA, M.; MINAYO, M. C. S. Violência um Velho- Novo Desafio a Atenção à Saúde. Disponível em: <http://br.monografias.com/trabalhos901/violencia-desafio-atencao-saud/violencia-desafio-atencao-saud.shtml>.

SANTOS, J. V. T. Violência e Coflitualidade. Porto Alegre: Tomo Editorial. 2009. Resenha de: SILVA, Rosimere Aquino da. Sociologia da Conflitualidade. Revista Sociedade e Estado, volume 25, numero 02 Maio/ Agosto de 2010.

SILVA. M. M.. Teoria da Violência, Mídia e Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/dh/br/go/goias/teorias_da_violencia_midia_e_dh.html>.
SILVA, M. L. M. Mimese Versus Catarse: a questão da Violência na TV. Comunicação e informação, 1998. Disponível em:  <www.brapci.ufpr.br/download.php?dd0=17264>
SILVA, M. L. M.. Direitos Humanos, Goiânia: Bandeirantes, 2001.
VANIER , A. Direito e Violência, ÁGORA: Estudos em Teoria Psicanalítica. Rio de Janeiro: Vol 7 Julho/Janeiro. 2004. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-14982004000100008&script=sci_arttext>.



[1]Graduada em Psicologia pela UNESC, Perito Examinadora de Transito pela CESMATEC; Pós Graduada em Medotologia e Didática do Ensino Superior pela FAROL; Especializando em psicologia do Transito pela UNIP
[2] Nomes fictícios.





A BUSCA POR REPOSTAS MÁGICAS
SEQUESTRANDO O INDIVÍDUO DO MUNDO REAL
Jéssica Martins de Assumpção[1]





Remédios no lugar do vazio
Às vezes passamos por momentos em que preferíamos não existir a ter que os vivencia-los, é assim quando perdemos pessoas importantes nas nossas vidas.
Diante da perda do meu avô: o sofrimento e a dor tomavam toda a família e antes que fosse dada a noticia à sua companheira fiel, minha avó, já lhe foi ministrada medicação, com o propósito de acalmá-la, e após alguns minutos quando a noticia lhe foi dada, a sua reação perante o acontecimento foi lamentável, ela não chorava, parecia estar distante, com os olhos vagando no horizonte e uma expressão de não saber o verdadeiro sentindo do que havia acontecido.
É comum estarmos diante das consequências obtidas pelos afeitos de excessos ou usos indevidos de medicação nos dias de hoje, em caso de sofrimento a dor é impedida, negando que a pessoa vivencie este momento, a justificativa é medo de possíveis comportamentos fora dos adequados estabelecido por uma sociedade mesquinha que determina até mesmo nossa ação diante da dor. Afinal escândalo  não faz parte da moda.
A automedicação ou o uso indiscriminado de medicamentos estão cada vez mais presente no cotidiano das pessoas, o que é agravado pela existência de médicos que receitam remédios sem o mínimo de amparo em exames específicos, com a contribuição da mídia sites comercializam medicamentos controlados sem receita.
O mais lamentável é sabermos, que diante da lista de medicamentos mais procurados estão os que controlam a hiperatividade e estimulam a atenção, que são, na maioria das vezes, ministrada às crianças, tornando-o conhecidos popularmente como o Remédio da Obediência.
Comum nos depararmos com receituários médicos prescrito variedade de medicamentos onde apenas um era necessário ou medicamentos excessivamente fortes, tarja preta, transformando pessoas saudáveis em  pacientes dependentes , não levando em consideração as advertências e os danos que certo mesmo podem acarretar,como por exemplo interferência no desenvolvimento das crianças,afeitos colaterais,danos hepáticos e super-infecções (devido  ao crescimentos exagerado de micro-organismos não susceptíveis) mais diante destas situações será que nossos médicos estão pensando no bem estar dos indivíduos ou nos fins lucrativos,afinal os médicos são os principais propagandista de produtos fármacos no mercado através da informações nos receituários.
E ainda existe um mero detalhe, a crença ilusória dos pacientes que acreditam que a medicação é a solução para seus sofrimentos e desaparecimento de seus estigmas, o individuo ao entrar em um consultório, acredita que ai diante daquele cenário a sua felicidade estará de volta, mais infelizmente isso não depende apenas de uma medicação ou uma palavra, isso representa a busca social pelo alívio imediato.
                Estudo feito na Finlândia revelou que 64% dos médicos consideraram a informação dada pelos propagandistas como sendo "útil" e apenas 14% acharam-na "inútil”. Fassold & Gowdey,1968, em uma pesquisa sobre as reações dos médicos aos métodos usuais de promoção de drogas, registram que 56% dos clínicos gerais e 37% dos especialistas consideraram o propagandista como a fonte mais informativa e aceitável. (Barros, 1983)
 A farmácia exerce uma função favorecedora para os usos e abusos de medicamentos, pois a possibilidade de usar uma receita informada pelo médico na ultima consulta que me fez bem, ou simplesmente me automedicar ou ainda por substituir o médico pelo balconista da farmácia. Dentre as medicações de alto consumo os ansiolíticos são os mais usados como calmantes, por produzirem uma  diminuição da atividade do nosso cérebro que por sua vez permite a redução da ansiedade, na indução de sono e no relaxamento muscular, mas também opera na redução do estado de alerta.

“Tudo o que é demais, sobra” e faz mal
A Sociedade vive em busca de alivio imediato, seja para compensar algo ou simplesmente evitar a dor; vivemos cometendo excessos regidos por comportamentos compulsivos.
Além do uso excessivo de medicamentos, praticamos muitas outras atividades exageradas: alimentação, dietas, exercícios em academia, cirurgias plásticas, compras, uso de computadores e TV, drogas, cigarro e jogos.
E essas atividades compulsivas não terminam por aqui, segundo (Mendes & Próchno, 2004) Essa hipervalorização do corpo, que cresce velozmente na contemporaneidade, transforma os homens em servos de sua própria aparência [...]. No entanto, algumas pessoas não alcançam o ideal de perfeição, de beleza e obtenção de prazer tão almejado e também tão cobrado socialmente. Essas pessoas tornam-se depositárias de angústias e adoecem.
O fato preocupante é que estas cenas nada saudáveis são muito comuns, e se queremos viver bem é preciso nos tornar conscientes que estas atividades compulsivas nos trazem serias consequências com passar do tempo, desenvolvendo doenças, causando sofrimento físico e emocional. Tudo aquilo em que ultrapassamos a medida certa, em algum momento nos trará consequências negativas.
 Se você dirigir um carro durante muito tempo e em aceleração máxima, o motor não aguentará, assim somos nós seres humanos: nosso corpo é uma bela maquina, porém necessita de condições ideais para funcionar, como também emite avisos quando esta sobrecarregada. O uso de medicamentos para estimular e dar alivio as tensões, trazem prazer imediato, mas as consequências negativas da sobrecarga exercida sobre o corpo tendem aparecer, mesmo em médio ou a longo prazo.
Algumas de nossas atitudes está ligada a crenças e valores pessoais “eu tenho que trabalhar para chegar ao meu objetivo”, ”eu tenho que malhar para conseguir obter o corpo que eu desejo”; assim, as pessoas vão além dos limites do seu próprio corpo. Se você trabalha bastante, mas gosta daquilo que faz e cuida da sua saúde física e mental, isso é saudável. Porém, o problema é com aqueles que trabalham absurdamente, concentram todas suas energias naquela atividade, mas acabam se esquecendo de todo o resto de sua vida. Essas áreas que foram negligenciadas de atenção com certeza vão cobrar o seu tributo e não será barato: geralmente através de doenças, a maneira que o organismo encontra de impor limites.

É preciso fazer diferente em relação à dor mental
A solução do problema esta em tratar a compulsão enraizada pela ansiedade, resposta do nosso organismo quando algo não anda bem. Se resolvido o problema, a ansiedade se vai e nos sentimos tranquilos, e somente poderá retornar se nos colocar novamente naquele contexto e no mesmo estado mental fragilizado.
Porem não é assim que funciona: negamos-nos à sabedoria do nosso organismo e simplesmente ignoramos a sensação de ansiedade, sem analisar a natureza do problema ou da situação que nos causa à ansiedade; ao contrário, respondemos a isto nos entupindo de remédios, atacando a geladeira ou anestesiando-nos diante da TV ou do computador.
Com esse comportamento impensado, nos impedimos de compreender o que nosso organismo biológico e psíquico tenta nos falar, que algumas áreas de nossa vida não estão bem resolvidas e deveriam ser revistas com mais atenção. É preciso que nos autoanalisemos e vejamos que precisamos de ajuda, não de geladeira cheia ou de outras distrações, mas sim de um profissional capacitado a nos ajudar a achar a causa da ansiedade que nos leva a ações compulsivas.
Aprender a lidar com a ansiedade e outro mal-estar é sem duvidas aliar-se a uma vida saudável, senti-la em momentos especiais é normal e benéfico, porém é importante lembrar que há vários tipos de dores e transtornos mentais e que cada um reage de uma forma, por isso é importante que haja um autoconhecimento das suas reações e indispensável o acompanhamento psicoterápico uma ajuda especializada nesses casos.


[1] Graduanda em Psicologia, Faculdades Integradas de Cacoal-UNESC/RO.

Referências:
BARROS, J. A. C (1983). Estratégias mercadológicas da Indústria Farmacêutica e o consumo de medicamentos. Rev.Saúde públ., 17(377-386). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsp/v17n5/03.pdf

BARROS, J. A. C (1983).  In.: FASSOLD, R.W.  & GOWDEY, C.W. Asurvey of physicians' reaction to drug promotion. Canad, med. Ass. J., 98:701-5, 1968.

MENDES, E. D. & PRÓCHNO, C. C. (2004). Corpo e novas formas de subjetividade. Psyche, V.8 15 (147-156). Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psyche/v8n14/v8n14a09.pdf





ESSE NOSSO ESTRANHO DE CADA DIA
Cleber Lizardo de Assis[1]

Cenas criminosas na TV “Mundo Cão”
            Vez e outra deparamos com um caso escabroso e de ampla comoção pública, em que geralmente alguém assassina outrem com requintes de crueldade. Daí, a mídia em geral e em especial aquela do tipo jornalismo “mundo cão” se esbalda, os factóides alardeiam de forma tempestiva o fato sangrento, vendendo mais que os comerciais e com repercussões imediatas junto ao povo nas ruas que comenta, palpita e tece as mais criativas explicações do fato medonho.
            Prefiro não me fitar em nenhum dos casos noticiados recentemente (e o serão sempre), afinal são tantos em que fulano mata, desaparece e até come a carne de ciclano, que opto em discutir algo que liga as diversas cenas criminosas, sob uma perspectiva de uma “uma tal metapsicologia”, ciência humana e, portanto, inexata, mas saber consistente de nossa sociedade ocidental: a psicanálise.

Neo-tele-teatro grego
            Primeiro: os noticiamentos desses eventos macabros causam as mais diversas ordens de sentimentos e afetos, indo do riso à indignação, passando pela piedade, pelo pânico e, pasmem, até um certo prazer que, incômoda, mas ocorrendo de forma inconsciente.
Tal fenômeno tem certa similaridade com o efeito catártico produzido pelas cenas trágicas do antigo teatro grego sobre a platéia[2]: ou seja, é impossível ficar indiferente às cenas sangrentas, pois algo nos une por identificação, seja ao agressor ou à vítima, ou a ambos. Mas, como assim? Sim, é possível esse mix de sentimentos, desejos e afetos num amálgama de ódio, desejo, prazer, medo, culpa, riso e choro e tantas outras moções pulsionais.
            E aqui um segundo ponto, mais complexo: a identificação pode ser tanto em relação à vítima (“puxa, podia ter sido eu”) como em relação ao agressor (“eu também faria isso”): o que nos liga a esse fenômeno é que, similarmente, a par do cenário criminal, é que somos humanos como eles são humanos e algo nos liga do mesmo modo num pacto inconsciente. Mas, aceitamos essa condição de similitude trágica que nos remete à essa parecença com seres angelicais e infernais?
            Mas, eis uma terceira questão: pode o infame agressor ser chamado de “humano”, em especial, após cometer tamanha barbárie? Ou seria um mero animal o autor de tamanha barbárie? Será que teríamos tamanho potencial destrutivo e criminoso em nós mesmos? Afinal, não somos seres bonzinhos e criados à imagem e semelhança do divino?

O estranho em mim! Em mim?
E aqui evoco o “amodiado[3]” Freud[4] em seus estudos sobre a alma humana, terreno onde nenhum de nós se salva como santos da nossa tradição judaico-cristã: guardamos nos porões da mente, desejos violentos e perversos em relação às mais diversas pessoas de nossa vida, inclusive, as mais queridas. Obviamente, todas essas pulsões são inconscientes, latentes, “adormecidas” e, portanto, vivas.
No palco do psiquismo habita esse ator com diversas máscaras, co-existindo em suas ambíguas e múltiplas pulsões e conforme a ocasião, fazendo com que categorias como bem e mal não estejam mais tão radicalmente separados.
            No entanto, na constituição da identidade, personalidade e subjetividade de cada sujeito, precisa-se de uma “barreira” de contenção desses impulsos agressivos no lugar devido, de forma que, no máximo, tal energia possa se transformar em produtos disfarçados e socialmente aceitos; daí, a formação de sonhos (ou pesadelos), a produção cultural e até mesmo a criação de sintomas. Tal barreira chamada de ‘recalcamento’ e que atende, ao mesmo tempo, a uma tríplice necessidade biológica, psíquica e cultural.
            Mas há um problema relacionado a essa ‘barreira’: ela pode ser mais ou menos funcional de acordo com cada sujeito e sua constituição desde a expulsão do ventre materno, mas nunca absoluta em seu papel de contenção; ela pode sofrer variações também em decorrência do grau de pressão endógena e estresse a que é submetida no cotidiano. Como pode também chegar ao ponto de ter falhas graves ou nem existir em casos de estruturas psicóticas e perversas, deixando o invólucro humano oco de humanidade e prenhe de animalidade. E vocês sabem, ser humano e sustentar a vida é um exercício de alta complexidade e gerador de grande “mal-estar”, e num paradoxo, sacrificamos um alto índice de energia pulsional em nome da civilização, mas, no entanto, se déssemos vazão a toda essa pulsão, destruiríamos a própria civilização (Freud, 1929).
            Associada a essa barreira fundamental e necessária, opera ainda a própria capacidade racional de refrear os impulsos e os demais mecanismos de defesa, de forma que a desmesura da paixão (do grego ‘pathos’) não subverta a razão que se constitua o leme de nosso agir no mundo, de nossas atitudes e de nossa frágil ética e pacto sociais. E aqui estamos novamente e solidariamente iguais como humanos.
            Estamos novamente com o dilema de sermos/termos uma casa racional (ego) em que insiste governar as paixões inconscientes, remetendo-nos a uma cisão radical e a um permanente embate conosco mesmo e com o outro. O outro se torna inferno em termos sartreano e felicidade na poesia de Jobim. Somos seres de conflito.
Lembro-me novamente de Aristóteles que, ao discutir o sentido da virtude, a definiu como “equilíbrio entre dois extremos”[5]. Os extremos não fazem bem. Aliás, podem fazer um bem extremo e, portanto, mal. Os extremos são da ordem da desmesura, da desmedida, do caldo passional que entorna e subverte a tênue ordem. Algo como os excessos que presidem os 7 pecados capitais. Mas, num outro extremo, obviamente, não devemos privilegiar somente a razão sem as doses de sentimento e paixão, pois o excesso racional também é da ordem patológica. O equilíbrio funcionaria aqui como uma espécie de ideal.

Quem atira a primeira pedra?
            Mas quem de nós humanos consegue viver permanentemente nesse equilíbrio? Quem de nós não tem uma paixão desmedida ou um simples pecado para atirar a primeira pedra? A essa indagação visceral do Cristo, retomo Freud (1917): “o eu não é senhor em sua própria casa” que traduzo por: “somos escravos de um estranho em nossa própria casa”.
            De outra maneira: estamos sujeitos a rompantes passionais de alta nobreza e bondade, mas também a outros abomináveis e criminosos, sendo que tal ordem e grau de intensidade, bem como os mecanismos de controle podem variar de sujeito para sujeito, de contexto para contexto.
            Fato é que estamos em risco permanente, individual e socialmente, fazendo da civilização um frágil produto de difícil sustentação, diga-se de passagem, os horrores das guerras mundiais, o holocausto nazista e outras atrocidades humanas.
Afinal, somos portadores de algum tipo de condição singular que realmente nos torna humanos sabedores/fazedores do bem e do mal, mesmo que sem a devida nitidez e controle na sua demarcação; tal condição nos torna uma sociedade de estranhos e uma paradoxal fraternidade de fraticidas.
Mas seguimos assim, assistimos às novelas do terror cotidiano e não sabemos, ou fingimos desconhecer o ‘estranho’ que em nós habita.

Referências:
ARISTÓTELES. A Poética. Trad. e comentários Eudoro de Sousa. Lisboa: Casa da Moeda, 1990.

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Seleção de textos de José Américo Motta  Pessanha.  4. ed. , São Paulo : Nova Cultural, 1991.

FREUD, S. O Mal-Estar na civilização. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, Vol. 21. Rio de Janeiro: Imago, 1929.

FREUD, S. Conferências Introdutórias sobre Psicanálise. (1915-1917). Vols. XV e XVI. Publicação original: In.:Gesammelte Werke, Londres: Imago, 1944.



[1] Mestre e Doutorando em  Psicologia; Professor de Psicologia na UNESC-RO. Email: kebelassis@yahoo.com.br; Homepage: cenasdecadadia.blogspot.com.br
[2] Para aprofundamento: ARISTÓTELES. A Poética. Trad. e comentários Eudoro de Sousa. Lisboa: Casa da Moeda, 1990.
[3] Brinco com o neologismo de J. Lacan, “amódio”.
[4] Difícil indicar apenas uma obra, daí remeto o leitor à sua obra completa.
[5] Vide Ética a Nicômaco ; Poética. Seleção de textos de José Américo Motta   Pessanha, 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991.





[CENA] POÉTICA:

Cascas
Natália Gregório[1]

Olho no espelho
E nele está refletido
Algo que pra mim não é bom
Mas para os outros é bom

Eu gosto de verde
Mas porque não posso usar verde?
Porque tenho que usar vermelho?
Eu não gosto de vermelho.

Eu queria pentear meu cabelo d’outro jeito
Mas eu tenho que pentear desse jeito
Eu não gosto dessa maquiagem
Mas eu tenho que usá-la

Eu não gosto dessa música
Mas eu tenho que ouvi-la
Eu não gosto dessa roupa
Mas eu tenho que vesti-la

Pergunto-me o porquê de viver assim
Viver pelos outros
Viver para os outros
Viver igual os outros

Não quero ser ‘a diferente’
Mas não quero desaparecer na multidão
Não sou feita de barro
Não posso ser moldada várias vezes

Isso aos poucos me machuca
Mas não posso chorar
Porque ninguém quer me ver chorar
Ninguém quer me ouvir chorar

E se eu perguntar o porquê disso
Apenas falarão que ‘é assim’
Mas é assim o que?
Viver dentro de uma casca é assim?

Mas vejo que não acontece só comigo
Sorrisos forçados estão por todo lado
Eu queria poder ajuda-los
Mas eles querem estar no ‘padrão’

Não queira ser padronizado
Seja quem você queira
Seja quem te faz bem
Seja alguém que te faça feliz

Mas enquanto eu e você
Não podemos nos livrar disso
Vamos viver dentro das nossas cascas
                                                       E deixe o choro ecoar dentro delas



[1] Graduanda em Psicologia, Faculdades Integradas de Cacoal-UNESC/RO.




[FOTO-CENA] COTIDIANA: Edson, na-morador de rua[1]







[1] Imagens autorizadas por escrito por Edson.




EXPEDIENTE E CHAMADA DE ARTIGOS

1 Do título: [Cenas] periódico de psicologia e psicanálise ISSN: 2176-8005

2 Linha Editorial e Conceito do periódico:
- Com fins sociais e para público diverso, visando discutir temas da atualidade a partir de olhares da psicanálise e psicologia (diversas abordagens e linhas teóricas);
- Movido por um “espírito agenciador de ricos processos de subjetivação”, de desafio à criatividade de existir, de circulação do saber acadêmico no social;
- Reflexão sem ‘achismos’, sem o protocolo dos artigos clássicos; simples sem ser simplista;
- Tática: circulação em formato digital, em pdf, e armazenamento no site, podendo ter impressões livres e solidárias desde que citadas a fonte e a autoria;
- Perfil de autoria: discentes e professores de Psicologia e Psicólogos.

3 Instruções a autores de artigos:
- O Artigo deverá ter uma média de 850 palavras, em temática livre, sobre/a partir do cotidiano e seguindo a Metodologia Cenas para a sua produção (abaixo); O autor deve-se indicar sua afiliação institucional e breve currículo;
- Fonte: arial; tamanho 11; espaço 1,5
- Referências: ABNT e APA

4 Metodologia Cenas (observar a sequencia para a produção do artigo):
Cena Cotidiana: Extrair do cotidiano uma cena presenciada/vivenciada, que lhe chamou a atenção e que pode se tornar uma questão para a Psicologia;
Cena Contemporânea: A cena anterior deve ser “ampliada”, de forma a identificá-la em outros locais e contextos, de forma que a perceba de forma recorrente, mesmo que variando a forma;
Cena Pática: É a apresentação de qual seja a “questão pática” envolvida, ou seja onde está o “x” da questão para sujeito psi (“Pático” é oriundo de “pathos”, termo grego que significa estado de passividade, de paixão) – portanto, é o cerne da discussão e do problema;
Aqui se pode evocar alguns autores importantes para contribuir para o problema, mas de forma a facilitar para o leitor um aprofundamento posterior;
Cena Nova: É o momento em que deve apontar as “pistas” para a resolução do problema, sem a tentativa de resolvê-lo ou fechar a questão; é o momento de vislumbrar novos cenários e as cenas inventivas.

5 Outras linguagens: O Cenas aceita submissão de outras linguagens como poesia, artes visuais e plástica, crônicas, contos e outros, desde relacionados à temática psi.

Editor Responsável:
Cleber Lizardo de Assis
Facebook: prof.cleberassis

Acesso às edições anteriores: www.cenasdecadadia.blogspot.com.br



Para baixar e circular essa edição em pdf click aqui 

quarta-feira, 1 de maio de 2013

[Cenas] decadadia Psicologia e Psicanálise Nº 15 – Jan-Abril/2013 ISSN 2176-8005




[Cenas] decadadia    Psicologia e Psicanálise     Nº 15 – Jan-Abril/2013
ISSN 2176-8005





Editorial

         Apresentamos o [Cenas], edição 15 – Jan-Abril/2013.
   O primeiro artigo “Comissão Nacional da Verdade....” inicia uma reflexão psicoteológica do papel da Comissão Nacional da Verdade em sua missão de investigar os casos de pessoas “desaparecidas” quando do período militar brasileiro.
       O segundo artigo, “A vida e a morte”, reflete sobre a lida e a re-significação do tempo, da vida e da morte, a partir de duas cenas-personagens.
O terceiro artigo, “A onda” de Claudel: a angústia em questão”, discute as vicissitudes da angustia e sua especial resolução na obra artística.
    Segue o poema “Forja de egos” que compõe a coletânea “psi-o-quê: poemas aleatórios, ul-trágicos e mani-cômicos”.
        Divulga-se o livro-comemorativo de 3 anos do periódico Cenas, com a apresentação da profa Dra Ana Bock, além do livro Culpa e Desculpa: o sentimento de culpa e a pós-modernidade.
        Finalmente, faz-se a chamada para submissão de artigos em 2013.

        Boa leitura e boas cenas!
        
       Cleber Lizardo de Assis, Editor.


ARTIGOS:

Comissão Nacional da Verdade: Notas Sobre Aspectos Psico-Social e Político da Investigação de Violações de Direitos Humanos no período da ditadura militar brasileira, Cleber Lizardo de Assis .......................................................................................................................................................pag 02

A vida e a morte, Marcelo Borges .........................................................................................pag 07

“A onda” de Claudel: a angústia em questão, Bruna Azevedo Léo e Jacqueline de Oliveira Moreira...........................................................................................................................................pag 11

CENA POÉTICA: Cogito, Cleber Lizardo de Assis..............................................................pag 15

DIVULGAÇÃO: Lançamentos dos livros Cenas e Culpa e Desculpa...............................pag 16

EXPEDIENTE e CHAMADA DE ARTIGOS 2013................................................................pag 17



COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE:
NOTAS SOBRE ASPECTOS PSICO-SOCIAL E POLÍTICO DA INVESTIGAÇÃO DE VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA
Cleber Lizardo de Assis[1]





















[2]





“Desenterrando o passado”
            Nesse dia em que escrevo (27/11/12), acabei de assistir na TV, a descoberta e entrega pela Comissão da Verdade, de pertences do político desaparecido Rubens Paiva, aos seus familiares; na cena reportada, notei um certo conforto da filha ao receber a lista de simples objetos pertencente ao pai, quando de seu desaparecimento.
Noutras reportagens, assistimos a pagamentos de indenizações a familiares e vitimas do regime militar, a leituras de documentos emocionados e pedidos de perdão, instalação de Museu e memoriais, além de outras ações em prol da história e da verdade. Venho assistido e acompanhado diversos movimentos nesse sentido e destaco o seu valor, mesmo tocando em abertas feridas. E alguém poderia questionar: “porque mexer no passado enterrado?”

            Recentemente instituída pela Presidenta da República, Exma Sra Dilma Rousseff, mas gestada desde as presidências do Exmo Sr Fernando Henrique Cardoso e do Exmo Sr Luiz Inácio Lula da Silva, a Comissão da Verdade nasceu composta de eminentes figuras públicas e respeitadas em seus âmbitos de atuação, com a finalidade de “examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição Federal, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.”

Avalio como de nobre iniciativa a instituição presidencial e venho acompanhado, desde antes de sua criação, os movimentos investigativos sobre o destino de cidadãos brasileiros desaparecidos sob o período nacional de regime ditatorial. Nesse sentido, venho indagado sobre os possíveis efeitos das descobertas e movimentos dessa Comissão sobre indivíduos, familiares e a própria Nação.

Sobre verdade, ética e paixão
Todo o agir humano implica numa ética e numa política: nesse sentido, todo o ato de investigar exige um exercício permanente de não sucumbir-se ao pathos que preside o ser humano, em especial, dos membros da Comissão da Verdade.
Concebendo ética, a partir desse contexto em especial, como o elemento regulador de quaisquer paixões que possam dominar os julgamentos humanos, quer seja algum ranço de ódio e vingança, seja um zelo apologista a quem quer que seja, será sempre um difícil exercício de integridade, equilíbrio e justiça.
Nesse sentido, qualquer movimento da Comissão tem seu peso e implicação políticas, uma construção de discurso de verdade e de valor, fora as ressonâncias que tais descobertas possam assumir para uma política menor de partidos e coloridos ideológicos que, em geral, são permeados de moções passionais. Logo, exige-se um exercício delicado de política sóbria e racional.
A Comissão da Verdade, trilha nesse sentido, um caminho de investigação e de arqueologia sobre um campo minado recheado de tensionamentos inevitáveis, de sentimentos ambíguos, e desejos latentes e outras paixões mesmo manifestas. Mas um trabalho árduo e necessário, perigoso e de alto valor simbólico para a constituição identitária do país e, principalmente, para as famílias que tiveram seus entes queridos “desaparecidos”.





Entre o perdão e a vingança
          Alguns dilemas porque podem passar os integrantes da Comissão e por nós que acompanhamos cada resultado desse trabalho arqueológico-político, podem ser comuns a todos que estamos sujeitos aos impasses humanos: o que fazer com as confirmações de nossas suspeitas de que os nossos entes e amigos foram torturados e mortos pelo regime militar de Estado? Perdoar ou vingar? Afinal, o que fazer com as possíveis descobertas? Como reparar o já mal-feito, o feito maldito?
            Nossa cultura ocidental-portuguesa é fortemente marcada pelos matizes religiosos judaico-cristão de onde herdamos as noções de pecado e culpa, perdão e graça, elementos que constituem nossas formações identitárias, subjetividades e objetividades cotidianas[3].
Para a psicanálise, conceitos correlato ao de perdão tem sido estudado por M. Klein (“reparação”) e por D. W. Winnicott, sendo que para os pesquisadores Verztman, Pinheiro & Herzog (s/d, p. 181): “o perdão é um processo que ultrapassa a lógica da reparação e permite novos rearranjos psíquicos tanto para sujeitos culpados como para sujeitos envergonhados”[4].
Diante do fato inegável de torturas e mortes infligidas pelo próprio Estado, nos deparamos num plano nacional, com o dilema individual que perpassa nossas relações mais próximas: perdoar o ocorrido? Mas perdoar a quem, por quê?
            Em termos práticos: o que fazer dos elementos e fatos descobertos: utilizá-los para condenar possíveis algozes? Abrir feridas não cicatrizadas em vítimas do Regime e transferi-las para os atuais descendentes de ex-militares, num gesto veladamente vingativo? Um dilema aparente nesse contexto, seria o que fazer da própria Lei da Anistia, em termos de seu sentido e alcance. Mais uma vez, a passionalidade habita o horizonte das relações complexas de ambos os lados do conflito, com suas mágoas, dores e razões.
Fato é: o fato ocorreu, não há como negar. Os elos partidos de informações estão sendo reconstituídos e/ou descobertos. No entanto, outros permanecerão, para todo o sempre perdidos.

Papel nacional da Co-missão
Tais elementos não trazem o pai à vida, tampouco encerra um luto mal vivido, posto que, sem o corpo ou mesmo restos mortais do desaparecido; no entanto, tais elementos e ações fornecem “suturas” que ajudam a operar uma ligação psíquica individual e social, uma reconstituição de elementos memoriais e afetivos que se tornaram perdidos e fragmentados na história de filhos, familiares e amigos, e que agora podem fornecer certo amparo ou, no mínimo, uma prótese de sentido aos que ficam.
Um dos sentidos do perdão[5], nesse contexto especial, não é fingir que a ofensa não tenha ocorrido, mas admiti-la, assumi-la como sua, e ministrar a possibilidade de restauração da relação partida; entretanto, para restaurar é necessário encontrar os cacos que se partiram, mas sem a pretensão de restauração de uma absoluta condição anterior, o que é de todo impossível; é ainda, assumir que no horizonte das relações humanas, o erro ou pecado é um elemento constitutivo de ambos os lados da querela e ofensa, mesmo que ambos tenham seus motivos, o que torna o encontro em momento de perdão mútuo e em busca de um novo caminhar mais amadurecido.
As descobertas, ações e movimentos da Comissão da Verdade têm, portanto, esse desafio: ajudar a conciliar afetos e desafetos, manifestos e latentes, individuais e coletivos, não tão passados e presentes, em nome de um novo caminhar nacional sob a égide do Estado Democrático de Direito.

Referências:
LIZARDO DE ASSIS, C. A Clínica e o Sagrado – Pesquisa e Reflexões sobre Teologia Cristã e Psicanálise, Curitiba: Editora CRV, 2011.

VERZTMAN, J. PINHEIRO, T. & HERZOG, R. Vergonha, culpa, depressão contemporânea e perdão (Projeto de Pesquisa do NEPECC-UFRJ). UVA, RJ , p. 178-183; disponível em: < http://www.uva.br/trivium/edicao1/pesquisa/1-vergonha-culpa-depressao-contemporanea-e-perdao-ufrj.pdf>





[1] Psicólogo, Psicanalista, Docente das Faculdades Integradas de Cacoal – UNESC/RO; Doutorando em Psicologia/USAL; Autor de “A Clínica e o Sagrado”, “Culpa e DesculpaO Sentimento de Culpa e a Pós-Modernidade”, dentre outros. Ex Integrante do Fórum Mineiro de Direitos Humanos e Comitê Mineiro de Educação em Direitos Humanos.
[2] Desenhos de Renato Castaman, especialmente para o Cenas.
[3] Para aprofundar nesse assunto, recomendo a leitura de nosso livro, baseado em pesquisa e reflexões em teologia cristã e psicanálise, onde defendemos tais articulações sob o que defendemos ser uma teologia psicanalítica. (mais detalhes nas referências)
[4] Nesse texto, os autores supracitados mencionam sua pesquisa que relaciona vergonha, culpa e perdão a casos de depressão, melancolia, fobia social e transtorno do pânico, dentre outros; apontam ainda diversos autores que tem se debruçado sobre o tema do perdão.
[5] Sugerimos a leitura de algumas concepções sobre perdão por diversas religiões: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u36184.shtml






A VIDA E A MORTE
Marcelo Borges[1]
A noticia!
Um aluno do Colégio N. S. A. cometeu suicídio ontem, escolheu o veneno para se matar, tomou muitos analgésicos, conforme mensagens trocadas com amigos em um site de relacionamentos. Os colegas pareciam indiferentes ao problema do rapaz. Um deles respondeu: "com remorso não vou ficar".
Todos se chocam ao ler a notícia trágica de um adolescente que, tão cedo e tragicamente, finda com a própria vida, enquanto isto, em outro lugar da cidade nasce Manuela, uma linda bebê, saudável, para a felicidade de sua família.
Roberto deixa sua mensagem de despedida e diz: “Eu tava esperando o momento certo para fazer isto. Mas o momento é o mais cedo possível ... Eu só precisava justificar isto. Consertar as coisas. Me perdoem, só que vocês tem todos e eu? O que eu tenho além de um jeito louco, sonhos?   Me desculpem”.
Enquanto isto na maternidade, Manuela recebe os seus primeiros convidados e entre sorrisos e presentes, tem o prazer de vir ao mundo e iniciar sua vida!



Vivendo e morrendo
Como a vida muda. Como a vida é muda. Como a vida é nuda.
Como a vida é nada. Como a vida é tudo.”[2]

Ao nascermos, nossas células estão biologicamente morrendo a cada instante, o tempo não pára e no poema vida e tempo, da filósofa Viviane Mosé, vemos um questionamento: “ quem tem olhos pra ver o tempo soprando sulcos na pele, soprando sulcos na pele, soprando sulcos...” , seria sábio manter a consciência da finitude para uma vida melhor? Ter a certeza do nosso fim é a única certeza que o humano pode afirmar? Então, porque não pensar nele para obter uma vida mais plena?
Em sala de aula, questionando alunos sobre o que fariam se soubessem que a vida terminaria no dia seguinte, as oito da manhã? As respostas variavam das mais diversas maneiras, tais como fontes de reparação, como fontes de inspiração, como fontes de despedidas ou até mesmo uma vontade de “ficar junto” de alguém que se ama e quer bem. Em seguida o questionamento: Porque esperar o fim para tentar ser feliz?
Sim, Manuela agora está pronta para ir para casa, afinal depois de um dia agitado de tantas visitas e cortejos, sua vida inicia-se em um lar, aconchegante e esperançoso de dias felizes e prósperos para o que está por vir. Enquanto isto em outro canto da cidade, Roberto também sai com destino ao seu novo lar e com o sono da morte, sem esperança, apenas com seus sonhos e sua loucura, desejando um descanso eterno.

A vida segue seu rumo, lentamente...
Falar sobre a morte, às vezes pode parecer difícil e muitas pessoas evitam o tema e até mesmo pensar no assunto, pois causa uma sensação de sofrimento antecipado.
A ansiedade e o medo são dimensões do sofrimento humano que Freud (1930), dedicou um olhar em Psicanálise. Esta sensação de perigo eminente, seja através de nossa imaginação ou de um fato real, coloca o ser humano em alerta constante e talvez como forma de alívio para o ego. Conter tamanha ansiedade é acionar um mecanismo de defesa para lidar com pensamentos armazenados no inconsciente, pois “acreditamos” ser melhor não pensar neste assunto, segundo o dito popular “Deus me livre, não quero nem pensar nisto”.
Irônico ou não, o paradoxo desta questão está no fato de que o ser humano, muitas vezes fixa-se na infelicidade e perde a luz de uma vida plena e ajustada, porque esquece exatamente que um dia irá morrer e que a vida é finita.





















Viver sem a vergonha de ser feliz.
Enquanto as ciências buscam respostas para coisas do universo, os filósofos cosmológicos buscavam esta compreensão, mas dentro do universo humano a maior das descobertas ainda está para emergir, a receita da felicidade e da vida eterna; porém, a felicidade constante ou a vida eterna, seria o tédio. Estaria o ser humano pronto para ser eterno? O oscilar entre todas as emoções é o que nos torna pleno. Saber variar entre as adversidades que a vida trás, é o que torna a completude humano completa.
Freud (1930) afirmou que as pessoas tendem a valorizar tudo o que os outros possuem e subestimam tudo que verdadeiramente tem valor em suas vidas; realmente subestimam as suas próprias vidas, pois buscam apenas, riquezas, poder ou o sucesso, deixando de lado o valor simples e realmente importante que é o viver sem esperar o amanhã que é incerto. Freud admite que jamais viveu com o sentimento de eternidade que afeta a maioria das pessoas, não se tratando de um artigo de fé, mas de um sentimento de grandiosidade e de poder.
Viver é amar, é poder saborear cada minuto que é dado de presente ao ser humano, e amar é não condenar a coragem ou o medo de quem vai e de quem chega. Roberto sentia com o nada, Manuela chega com o tudo, será que podemos julgar?
Eclesiastes 3, nos trás uma reflexão muito interessante sobre o tempo, que há para tudo: “ Tudo neste mundo tem seu tempo...Há tempo de plantar, tempo de  colher... Tempo de nascer e tempo de morrer”.
Roberto e Manuela, tiveram seu tempo!

Referências:
FREUD, S. (1917), Luto e Melancolia. Obras Completas: Vol. XIV Ed. Imago. 1ª Edição Standard Brasileira; 1974; São Paulo, SP.

FREUD, S.(1930/1997), O Mal-Estar na Civilização, Rio de Janeiro: Imago

MOSÉ, V.(2001), Pensamento Chão,  Ed. Sete letras

SOCIEDADE BÍBLICA INTERNACIONAL. (2000), Bíblia Sagrada: Nova versão Internacional, São Paulo


[1] Psicólogo especializado em Psicopatologias, com trabalho e experiência em Dependência Química, desenvolvido na SEAS (Secretaria do Estado de Assistência Social e Direitos Humanos- Amazonas) e CONEN-AM. Professor de Psicologia Aplicada ao Direito na Unesc-RO e Psicologia na FAP-RO.
[2] Carlos Drummond de Andrade, Parolagem da Vida.




“A ONDA” DE CLAUDEL: A ANGÚSTIA EM QUESTÃO

Bruna Azevedo Léo[1]
Jacqueline de Oliveira Moreira[2]



“A Onda” ou “As Banhistas” (1897-1903). Camille Claudel.


O sujeito entre o desamparo e a opressão
Tomando como exemplo a escultura “A Onda” ou “As Banhistas” (1897-1903) de Camille Claudel, podemos pensar que a imagem das três personagens de mão dada prontas para serem engolidas por uma onda gigante nos remete ao tema da angústia e do desamparo (MORGENSTERN, 2010). O sujeito se encontra, de um lado, desamparado e impotente diante da força avassaladora da natureza, e de outro, oprimido pelas normas sociais que dissolve a sua individualidade. Este duplo movimento encontra-se em sua base o afeto da angústia. Afeto inominável que encontra a sua expressão ou forma na produção estética de Camille Claudel.
O interesse em estudar os aspectos da angústia consequente da vontade em Camille Claudel se insere quando compreendemos que, ao libertar a sua vontade no processo de criação, Claudel liberta também a própria angústia causada pela permanência dessa vontade. Ao libertar a vontade, o artista (no caso Camille Claudel) nega a vontade individual e passa a assimilar o mundo, unificando-se a ele, através de um estado de contemplação. Assim, o artista expressa com sua linguagem o afeto que escapa à representação das palavras.

Angústia, vontade e estética
A questão pática que nos mobiliza nesse ensaio são as possíveis saídas para a angústia humana que se realizam na formatividade estética. Assim, buscaremos na filosofia de Schopenhauer e na psicanálise freudiana elementos que possam oferecer fôlego compreensivo para a obra “A Onda” de Camille Claudel.
Schopenhauer (1819), em seu livro “O Mundo Como Vontade e Como Representação”, apresenta-nos, como ponto de partida, a seguinte afirmação: O mundo é a minha representação. Ao fazer essa afirmação, ele nos introduz à idéia de que o mundo como é entendido é puramente uma percepção individual, uma representação subjetiva, determinada pela vontade humana.
Para Schopenhauer a Vontade se apresenta como o princípio último de todas as coisas. O autor compreende o universo como manifestação e expressão da Vontade Una e Infinita. Sem rosto ou forma, a vontade arde em todas as coisas do mundo, inclusive no homem. Sendo o cerne do homem habitado pela Vontade, o homem está condenado ao estado de desejo infinito, portanto ao sofrimento. Segundo Moreira: “A Vontade, autêntico significado do universo, se vê presa numa corrente de desejos e insatisfações infinitas, cristalizando, assim, a positividade do sofrimento como verdadeiro núcleo do mundo” (MOREIRA, 1996, p. 55)
Esse sofrimento é presente devido ao fato de que, por mais que um indivíduo procure satisfazer a própria vontade, essa vontade nunca será saciada, pois a vontade é mutável e sempre estará presente. A saída para o sofrimento, portanto, seria a negação da vontade. Negar a vontade é o que permite o ofuscamento da angústia por ela causada. Uma das formas de negação da vontade individual é a criação estética e a fruição da arte, pois no ato de criar e fruir o sujeito ultrapassa a vontade individual.
Schopenhauer, partindo da idéia kantiana do substrato supra-sensível, encontra a Vontade como a principal essência humana. Para Schopenhauer, a experiência estética, seja do criador ou da pessoa que vai fruir, é necessariamente destituída de vontade individual e sofrimento, ou seja, ultrapassa o mundo fenomênico.
A fixação no mundo fenomênico, segundo Schopenhauer, significa fixação ao campo do sofrimento e da angústia, portanto a produção estética, o ato ético e a mística representam saltos metafísicos em direção a Vontade Una, ou seja, a cessação da angústia.

Alguns tipos de angústias
O termo angústia (angst) na obra freudiana faz referência a um afeto desprovido de representação, não se deixa simbolizar; um sentimento de inquietação e de sofrimento diante de uma ameaça real ou imaginária (ROCHA, 2000).
Na conferência O Estado Neurótico Comum (1917), Freud apresenta a diferenciação entre os conceitos de angústia realística e angústia neurótica.
A angústia realística é definida como aquela que é racional, inteligível. Pode se relacionar com o reflexo de fuga, uma manifestação da pulsão de autopreservação. A angústia realística também pode ser compreendida como um alerta diante da presença de um perigo real. Porém, essa angústia não poderia ser tão forte de forma que tornasse o sujeito vulnerável e incapaz de reagir ao perigo.
A angústia neurótica, por sua vez, é definida por Freud como a angústia por um perigo desconhecido. É aquela produzida sem que exista um perigo aparente ou algo existente que exponha o sujeito a um perigo.  
A partir do caso clínico de Hans, Freud (1909) postula que toda a fobia de angústia remonta uma fobia infantil. Ele percebe uma pequena relação entre a angústia de castração e a consolidação de uma fobia. Compreende também que a força motriz do recalque seria a angústia presente frente a um perigo de castração iminente.
 Negando a sua primeira hipótese, Freud mais tarde afirma que a angústia é a verdadeira produtora do recalque, e não o contrário. A angústia não parte da libido recalcada, mas sim é caracterizada como sendo a expectativa de um trauma, sendo também recriada automaticamente ao ser exposta ao medo de o sujeito estar presente ao desamparo (ROCHA, 2000). Mas, quais as possibilidades de tratar esta angústia que está na base do psiquismo humano?
A teoria freudiana propõe a intervenção clínica como possibilidade de circunscrever, no campo do discurso, um quantum de angústia, não esquecendo que sempre haverá um resto. A filosofia schopenhaueria pensa o homem como um enfermo metafísico, ou seja, a angústia não se refere somente ao campo da constituição subjetiva e da patologia. Em Schopenhauer (1819), a angústia advém do desconhecimento metafísico da Vontade como princípio e da consequente fixação na crença ilusória da individuação, ou seja, da total diferença entre os seres. Para este filósofo, todos são iguais em princípio e o encontro com esta verdade é libertador.

Arte-dissolução da angústia
Assim, a criação estética, o fenômeno moral e a mística possibilitam a dissolução do Véu de Maia, a ultrapassagem do princípio de individuação e a consequente abolição do egoísmo. No ato da criação estética, o artista se libertar das diferentes amarras sociais, subjetivas. Assim, a produção artística se revela como um acontecimento fora dos limites. A arte é um encontro com a verdade metafísica. Desta forma, a escultura de Claudel oferece belas formas de expressão da sua angústia. De outro lado, nossa angústia encontra uma expressividade no momento em que nosso olhar contempla a “onda”, porque estamos todos nesta mesma situação.

REFERÊNCIAS:
FREUD, S. (1909). Analise de uma fobia em um menino de cinco anos : o pequeno Hans. 1977. Pequena coleção das obras de Freud. Imago, Rio de Janeiro, 1977, Livro 34. 150 p.

FREUD, S. (1917). Conferência XXIV: o estado neurótico comum. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 16. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 379-392.

MOREIRA, J. O. A negação da vontade: o problema da fundamentação da moral na filosofia de Schopenhauer. 1996. 172p. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Universidade Federal de Minas Gerais. Orientadora: Maria Lúcia Mello Cacciola

MORGENSTERN, A.. A onda: um mergulho ao encontro do desamparo. Ide,  São Paulo,  v. 33,  n. 51, dez.  2010.   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31062010000200008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso abr.  2013.

ROCHA, Z. Os destinos da angústia na psicanálise freudiana. São Paulo: Editora Escuta Ltda. 2000. 169 p.

SCHOPENHAUER, A.. (1819). O mundo como vontade e representação. Rio de Janeiro: Contraponto. 2004. 431p.



[1] Graduanda de Psicologia, PUC Minas.
[2] Doutora em Psicologia Clínica, Professora da Pós-Graduação em Psicologia da PUC Minas.




[Cena] poética



FORJA DE EGOS[1]
(haikai)








Me canso do que desfaço

descanso do que faço

no intervalo mais cansaço











[1] Poema que compõe a coletânea “Psi-o-quê: poemas aleatórios, ul-trágicos e mani-cômicos”, In: ASSIS, K. O Surto, 01, maio/2005, Belo Horizonte.






Lançamentos:

O Livro “Culpa e Desculpa: o sentimento de culpa e a pós-modernidade”, trata da culpabilidade em sua perspectiva histórica, clínica e social, sua influência sobre o laço social e os processos de subjetivação, levando a consequências como sofrimentos psíquicos (“novas patologias”: adições, distúrbios alimentares, depressões e síndromes do pânico, bulimia, anorexia, vigorexia etc) e sociais (enfraquecimento do interdito e da lei, socius patogênico, violências, delinquências, consumismo etc).


 “50 anos da regulamentação da profissão e publicação do livro Cenas, organizado pelo professor e psicólogo Cleber Lizardo de Assis, da UNESC Cacoal, em Rondônia. Que Psicologia temos hoje, depois de 50 anos e que se apresenta nesta publicação? Uma Psicologia interessada no cotidiano. Uma Psicologia com sensibilidade para a vida vivida; que sabe olhar em volta e que vê o que nos cerca. Sofrimentos, alegrias, dúvidas, perguntas, novos hábitos, novas questões são a matéria prima desta Psicologia que encontramos em “CENAS”. Além disto, os objetivos que guiam a publicação expressam também o compromisso da Psicologia com a população. Buscar dar forma e linguagem às questões pesquisadas e teorizadas pela Psicologia de forma que a população leiga possa ter acesso e enriquecer sua compreensão do cotidiano. Vale a pena conhecer “Cenas” e conhecendo esta obra se pode ter conhecer aspectos da Psicologia e seu compromisso com a dignidade da vida cotidiana.” Ana Mercês Bahia Bock: Psicóloga, Doutora em Psicologia, Professora Titular da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da PUC-SP; Ex-Presidente do Conselho Federal de Psicologia gestões entre 1997 e 2007.







































































































EXPEDIENTE E CHAMADA DE ARTIGOS 2013

1 Do título: [Cenas] periódico de psicologia e psicanálise ISSN: 2176-8005

2 Linha Editorial e Conceito do periódico:
- Com fins sociais e para público diverso, visando discutir temas da atualidade a partir de olhares da psicanálise e psicologia (diversas abordagens e linhas teóricas);
- Movido por um “espírito agenciador de ricos processos de subjetivação”, de desafio à criatividade de existir, de circulação do saber acadêmico no social;
- Reflexão sem ‘achismos’, sem o protocolo dos artigos clássicos; simples sem ser simplista;
- Tática: circulação em formato digital, em pdf, e armazenamento no site, podendo ter impressões livres e solidárias desde que citadas a fonte e a autoria;
- Perfil de autoria: discentes e professores de Psicologia e Psicólogos.

3 Instruções a autores de artigos:
- O Artigo deverá ter uma média de 850 palavras, em temática livre, sobre/a partir do cotidiano e seguindo a Metodologia Cenas para a sua produção (abaixo); O autor deve-se indicar sua afiliação institucional e breve currículo;
- Fonte: arial; tamanho 11; espaço 1,5
- Referências: ABNT e APA

4 Metodologia Cenas (observar a sequencia para a produção do artigo):
Cena Cotidiana: Extrair do cotidiano uma cena presenciada/vivenciada, que lhe chamou a atenção e que pode se tornar uma questão para a Psicologia;
Cena Contemporânea: A cena anterior deve ser “ampliada”, de forma a identificá-la em outros locais e contextos, de forma que a perceba de forma recorrente, mesmo que variando a forma;
Cena Pática: É a apresentação de qual seja a “questão pática” envolvida, ou seja onde está o “x” da questão para sujeito psi (“Pático” é oriundo de “pathos”, termo grego que significa estado de passividade, de paixão) – portanto, é o cerne da discussão e do problema;
Aqui se pode evocar alguns autores importantes para contribuir para o problema, mas de forma a facilitar para o leitor um aprofundamento posterior;
Cena Nova: É o momento em que deve apontar as “pistas” para a resolução do problema, sem a tentativa de resolvê-lo ou fechar a questão; é o momento de vislumbrar novos cenários e as cenas inventivas.

5 Outras linguagens: O Cenas aceita submissão de outras linguagens como poesia, artes visuais e plástica, crônicas, contos e outros, desde relacionados à temática psi.

Editor Responsável:
Cleber Lizardo de Assis
Facebook: prof.cleberassis

Acesso às edições anteriores: www.cenasdecadadia.blogspot.com.br


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