sábado, 28 de agosto de 2010

Nº03 – Abril./2010 ISSN 2176-8005

Sexo virtual com o porteiro?

Maria Newnum *
Articulista, Pedagoga e Mestre em Teologia Prática



 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Essa história retrata fatos da vida pós-moderna. Eduarda (nome fictício) descobriu-se traída na Web. Nem Cabe discutir o termo “traição virtual”. Parte-se do pressuposto que a perfídia seja em pensamentos, atos ou omissões, causa dor e dano. A Du ficou arrasada. Chorou muito, mas logo partiu para a ação: resolveu vingar-se, pagando na mesma moeda. Abandonou a condição de cyber-analfabeta, contratando uma assessora de assuntos virtuais; algo bem diferente de hackers, diga-se de passagem. Aprendeu os primeiros passos sobre salas de bate-papo, perfil de MSN, sonico e toda parafernália cibernética que se conhece. Em 20 dias transformou-se numa “fera!”
 
 
Para resumir a história: a Du tomou gosto pela coisa! Já não via traição nos flertes que rolava com os “amigos” dos sites de relacionamentos; ao contrário, achava um excelente subterfúgio para atiçar sua vaidade feminina que andava em baixa. Quando deu por si, toda semana tinha uma nova e tórrida história de sexo picante Online para dividir com as amigas. Pasmem! Ela estava tão envolvida que chegou a marcar um encontro Offline. Qual a surpresa? Isso mesmo. O “moreno, alto bonito e muito sensual” era o seu Zezinho, o porteiro que, aproveitava as noites de folga, enquanto a esposa “cyber-analfabeta” dormia o sono das inocentes para, digamos, “projetar” sua personalidade e “pegar”, sem saber, a dona Eduarda, tratada com toda reverência na portaria. Risível? Nem tanto.






A Du se sentiu miserável. Mas a lição foi apreendida: Na rede, homens e mulheres passam de mão em mão, de boca em boca, de gozo em gozo e o que sobra é, muitas vezes, frustração, dor e desamparo, pois, uma hora ou outra a coisa sairá dos teclados...




Em Uma ética para o novo milênio Dalai Lama** diz: “A questão é que de vez em quando chegamos a pensar que encontramos essa espécie de felicidade perfeita, até que a aparente perfeição revela-se tão efêmera quanto uma gota de orvalho em uma folha, brilhando intensamente num momento, no outro desaparecendo”. (p.60)



Esse exemplo chama à reflexão frente a uma realidade em que corpos e sentidos são explorados nas pontas dos dedos num cantinho escuro da sala, na mesa do trabalho ou mesmo na cama enquanto o/a parceiro/a dorme. Isso é traição? Ou gota de orvalho reluzente? Pense e analise.



O fato é que cedendo a tentação da busca do prazer efêmero há o risco de perder-se do outro ou, pior, perder-se de si mesmo. Para Dalai Lama: “Ao contrário dos animais, cuja busca da felicidade restringe-se a sobrevivência e à gratificação dos desejos sensoriais, nós, seres humanos, temos a capacidade de experimentar a felicidade em um grau mais profundo que, quando atingido, tem o poder de sobrepujar as experiências adversas”.

 

É o mesmo que dizia Freud. Para ele, é a repressão dos instintos que garante o desenvolvimento da civilização; não é possível gozar sempre; é preciso renunciar ao gozo efêmero em favor de algo maior. No mundo “real” as adversidades da vida podem ser o terreno fértil onde germina a felicidade suficiente para o encanto do viver cotidiano. Ou seja, é na realidade nua e crua que acontece o verdadeiro encontro de amores e amizades reais e leais. É no choro e no abraço apertado e não no gozo efêmero que todos os humanos sabem-se seguros e acolhidos.



É facilmente constatável que a comunicação virtual inaugura modos de “éticas paralelas” aos demais mecanismos da sociedade. Na rede, apenas os “cybers-alfabetizados” possuem a gestão dessas “regras” que, na verdade, são volúveis e descompromissadas com o sentido de fraternidade e respeito pelo outro. Por isso vale uma última reflexão de Dalai Lama: “Na minha opinião, pode-se concluir que um ato ético é aquele que não prejudica a experiência ou a expectativa de felicidade de outras pessoas”. (p.58).



Então fica a dica: Pense bem antes de teclar. Pergunte-se se não haverá risco de ferir-se ou ferir outrem. E ao teclar, não se surpreenda ao descobrir-se traído por você mesmo. Na rede isso pode acontecer...

 
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* Para comentar ou ler outros artigos da autora acesse: http://br.groups.yahoo.com/group/LittleThinks/
** Dalai Lama. Uma ética para o novo milênio. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. p. 58 e 60.



[Cena] Visual



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Siga sem pensar: Poro, 2004. Adesivo afixado e distribuído em diferentes locais. Pode também ser distribuído como panfleto.


O Poro é uma dupla de artistas formada por Brígida Campbell e Marcelo Terça-Nada! Seus trabalhos buscam apontar sutilezas, criar imagens poéticas, trazer à tona aspectos da cidade que se tornam invisíveis pela vida acelerada nos grandes centros urbanos, estabelecer discussões sobre os problemas das cidades, refletir sobre as possibilidades de relação entre os trabalhos em espaço público e os espaços "institucionais", lançar mão de meios de comunicação popular para realizar trabalhos, reivindicar a cidade como espaço para a arte. Através da realização de intervenções urbanas e ações efêmeras, o Poro procura levantar questões sobre os problemas das cidades através de uma ocupação poética dos espaços. BH, Brasil
Fonte: http://www.poro.redezero.org/inicial.html



[CENAS] novas para a saúde mental*


Vilson, cidadão-usuário e seu poema-depoimento

Discentes e docentes do curso de Psicologia da UNESC, Cacoal-RO


Palestra do prof Wilson Plaster, do curso de Psicologia da UNESC, Cacoal-RO



Palestra do prof Cleber Assis, do curso de Psicologia da UNESC, Cacoal-RO



 Artista pergunta/afirma: “mais louco é quem me diz e não é feliz......”




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* imagens da I Conferência Regional de Saúde Mental – Cacoal/RO, 13 de abril de 2010.





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Nº02 – fev./2010 ISSN 2176-8005

Sobre o transitar nas ruas e na vida – uma homenagem ao Profeta Gentileza

Cleber Lizardo de Assis, Psicólogo, Mestre em Psicologia/PUC MG



 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Pelas ruas das cidades


Qualquer pessoa que teve a experiência de caminhar pelas ruas das grandes cidades, provavelmente experimentou uma sensação opressiva regada a cotoveladas, trombadas e empurrões.



A velocidade com que as pessoas se deslocam, a pressa com que se locomovem e o pior, a indelicadeza e o descuido com o que o fazem, somados a um número excessivo de transeuntes, a um barulho ensurdecedor e a um calor geralmente insuportável, quase levam o cidadão da urbis a um forte estresse ou quase colapso físico-mental.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O homo urbanus


A urbanidade vem gerado o “homo urbanus”, geralmente apressado (muitas vezes sem saber o porquê), carrancudo ou de visual blasé, antipático e pouco afeito ao cuidado de transitar: o que vale é a agressividade que leva às raias da violência, seja no trânsito, mas também nas calçadas.



Parece haver algo de automatismo nesse sujeito urbano. Em alguns motoristas parece ocorrer um processo de facilitação do acting-out, ou seja, tal como no clássico desenho do Pateta no trânsito, o sujeito encarapuçado por uma máquina, parece fundir com ela e ao con-fundir-se parece ter aguçado sua ilusão de onipotência. Daí, a potência automobilística lhe acelera a adrenalina e lhe freia o senso de limites. Logo sucumbe à agressividade latente, passando ao estado de violência.

Mas e nas calçadas, seria diferente o estado de coisas? Não me parece. O que notamos, guardada as devidas proporções, é um correlato de agressividade, indelicadeza e descuido na ocupação dos espaços, nas ultrapassagens perigosas e nas truculências para o acesso.




Em ambos os casos, o homo urbanus fica a um passo de se transformar numa monstruosidade moderna, posto que todo um “clima estressante” torna-se uma panela de pressão prestes a cozinhar a suposta civilidade e revelar algo da besta fera que habita os humanos.





Descuido no transitar, descuido com o outro

Parece haver algo que esse transitar nas estradas e calçadas insiste em revelar. Algumas pistas, senão perguntas: o que rege o autômato homo urbanus seria a própria falta de senso e direção? Será que por traz dessa “falta de direção” estaria camuflada uma falta de sentido? Afinal, o que se busca de forma tão apressada e descuidada nas estradas e calçadas? Que valores regem esse transitar em correria non sense?

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tal transitar descuidado nas estradas e nas calçadas parece revelar o próprio descuido com a vida, consigo próprio e com o outro. E trata-se de um descuido de proporções diversas, em que placas de trânsito e leis anti-álcool versus volante parecem não funcionar porque o descuido com a vida chegou a um nível tão grande que as leis e a Lei parecem falidas.




O trânsito nas estradas e calçadas parece revelar o que nenhuma engenharia ou psicologia do trânsito tem elencado: para além de emissão de carteiras de habilitação de motoristas (e de pedestres talvez fossem necessárias), além de melhorias no tráfego e construção de novas vias, além do aperfeiçoamento do sistema legal, parece que temos um problema civilizacional crônico sobre o nosso transitar na vida, sobre os nossos sentidos e valores que nos levam a acordar a cada dia e enfrentar de forma agressiva o nosso mundo.



E por falar em pistas, modestamente é o que posso provocar. Não tenho a panacéia para todos os males. O Profeta Gentileza, dentre tantas inscrições poéticas/proféticas urbanas, deixou-nos desafiadores recados num dos viadutos do Rio de Janeiro (vide exposição em outra seção).



Valores para transitar a vida

Talvez, na ausência de valores consistentes e de modos de existir humanizantes e cuidadosos de transitar a vida, tenhamos sucumbido à pressão capitalista/consumista que vem nos tornado autômatos à sua imagem e semelhança.



No entanto, se do Cristo vem o mandamento do amor, do Profeta das ruas cariocas vem a pista de que podemos transitar a vida baseados em valores não tão urbanos e resistir em sermos gentis conosco, com o outro e com o nosso mundo.

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Breve biografia do Profeta Gentileza: http://pt.wikipedia.org/wiki/Profeta_Gentileza
 
 
 


[Cena visual]:
 
 
 
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Imagem gráfica de Murilo Grafics (reprodução autorizada): http://www.murilografics.com/
 
 
[Cena urbana da falta de gentileza do Estado...


“Praia da Estação, o mar revolto das Minas Gerais"

Desde o dia em que o prefeito da cidade, Marcio Lacerda, soltou o decreto proibindo qualquer evento naquele espaço, Belo Horizonte viu nascer a mais criativa, irreverente e envolvente rebelião dos últimos anos. O decreto nº13.798 tem apenas uma frase: "Fica proibida a realização de eventos de qualquer natureza na Praça da Estação, nesta Capital" (DOM 2010). Uma frase que vem causando muita confusão. Por quatro sábados seguidos jovens se banharam na praça para promover uma verdadeira desobediência civil, lírica, lúdica, bela, ousada e singela. Uma alegre forma de se encontrar e de uma geração inventar novas formas de lutar”



“O Belo Horizonte da capital mineira brilhava em sol escaldante naquele primeiro sábado de fevereiro. Munidas de seus biquínis, protetor solar, esteiras, cangas, bóias e outros apetrechos, as moças de Minas, conhecidas pela sua beleza, foram curtir mais um dia de praia. Saindo de várias partes da cidade, se dirigem até a Praça da Estação. É tradição secular mineira pegar o trem que sai dali para o litoral capixaba. No último mês, porém, o trajeto não precisa ser percorrido. A praia é na Praça.”
 
... e Cenas do povo em seu criativo protesto]
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Trechos reproduzidos com autorização de Kerison Lopes) – disponível em: http://www.vermelho.org.br/mg/noticia.php?id_noticia=123890&id_secao=76

Crédito da foto: Luther Blissett, disponível em http://pracalivrebh.wordpress.com/
 
 




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Nº01 – jan./2010 ISSN 2176-8005

Imagem é tudo, sede é nada

Cleber Lizardo de Assis, Psicólogo, Mestre em Psicologia/PUC MG



 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
[cena corriqueira]


Recentemente foi noticiado que um casal teve acesso como ‘penetra’ no jantar de gala do casal Obama; foi fotografado na entrada, desfilando pelo tapete vermelho, mas em breve verificaram que o mesmo não estava na lista de convidados: foi um pandemônio no esquema obsessivo de segurança americano.

Detalhe: era um casal branco, muito bem vestido segundo o traje exigido e esbanjando enorme simpatia e auto-confiança.



 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
[cena contemporânea]


Não é de hoje que frases do tipo ‘beleza é fundamental’, “o mundo trata melhor quem se veste bem’, ‘vejo como vestes e sei quem és’ etc e outra tentando contrabalancear tais valores como por ex ‘não julgue um livro pela capa’.

Enfim, não se pode negar o predomínio da imagem, o que inclui vestimenta, truques estéticos e toda a parafernália da moda, como marcas fortes de nossa cultura ocidental.

Nada de valores ligados a uma suposta interioridade, coisa do Romantismo do sec. XVIII com seus valores centrados em subjetividade, emoção/sentimentalismo e no eu; tampouco tem a ver com a relação entre os delineamentos entre corpo e mente dos gregos e que pode ser expressado na fórmula do poeta romano Juvenal e sua proposta de ‘mens sana in corpore sano’.

A coisa é bem mais simples e superficial: não é necessário ser nada, basta apenas parecer algo.

Ou seja: cada vez mais notamos um predomínio do ‘parecer’, da roupagem e do rótulo, do simples estereótipo versus conteúdo ou algo relacionado a um conjunto maior de características que constitua a pessoa.

Parece assistirmos (e isso é o que parece importar) a um grande esvaziamento de valores relacionados ao caráter em nome de outros propostos pelo sistema capitalista/consumista.

A equação torna-se simplificada: cor e biotipo ‘x’+ nacionalidade ‘y’= terrorista (lê-se caso Jean Charles), ou o seu contrário no caso da cena dos falsários da imagem na Casa Branca.

Se o acesso à realidade exige diversas faculdades de reflexão, na atualidade nota-se o seu falseamento descarado através desses subterfúgios imagéticos vendidos como a própria realidade que se transforma em show. Um tempo do simulacro e da simulação (Jean Baudrillard, 1981, Simulacro e simulação, Relógio D’água).

Também foi a pouco a veiculação de uma propaganda de refrigerante em que o slogan afirmava que ‘imagem é tudo, sede é nada’.

Veja em que ponto chegamos: até as próprias necessidades fisiológicas essenciais à manutenção da vida são subvertidas pelo reino da imagem: fome, sede e sono, por exemplo, são dirigida por um sistema midiático que alimenta um sem número de indústrias a serviço do onipresente/onipotente/onisciente consumismo.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
[cena pática]


Temos suposto psicanaliticamente que essas imagens e signos vendidos e comprados sob a forma de produtos, a cada dia supõem responder às demandas psíquicas muito primárias e formadas em tenra idade na relação mãe-bebê e que persistem inconscientemente, mas que seriam da ordem do perdido-para sempre e logo, inatingível-para sempre.

Com isso, a palavra, construto que nos faz seres simbólicos e de linguagem, que pode nos alimentar minimamente como seres de cultura, apresenta certa falência: consome-se como num acting-out compulsivo, mecânico e sem qualquer reflexão sobre o que se busca.

Nas próprias relações interpessoais, os afetos e as expressões verbais são cada vez mais substituídas por silêncios embrutecidos e compensações por presentes materiais, migalhas que não alimentam a alma.

O desejo legítimo emudece, a subjetividade se empobrece e o sujeito torna-se falido quando devia falar. Assim caminha a humanidade: luzes, vitrines e imagens camuflam o desamparo humano. Se bem que fingimento já se tornou valor de verdade.

*) enxurrada de palavras. Intervenções urbanas de Poro. disponível em: http://poro.redezero.org - O Poro é uma dupla de artistas formada por Brígida Campbell e Marcelo Terça-Nada! Seus trabalhos buscam apontar sutilezas, criar imagens poéticas, trazer à tona aspectos da cidade que se tornam invisíveis pela vida acelerada nos grandes centros urbanos, estabelecer discussões sobre os problemas das cidades, refletir sobre as possibilidades de relação entre os trabalhos em espaço público e os espaços "institucionais", lançar mão de meios de comunicação popular para realizar trabalhos, reivindicar a cidade como espaço para a arte. Através da realização de intervenções urbanas e ações efêmeras, o Poro procura levantar questões sobre os problemas das cidades através de uma ocupação poética dos espaços. (BH, Brasil – fonte: http://www.no-retornable.com.ar/dossiers/0092.html)
 
 
Cena poética:
 
DETERMINISMOS (ou cadê a liberdade?)*







me mandam






de dentro prá fora


de fora prá dentro






me mandam






de cima prá baixo


de baixo prá cima


:


eu frouxo obedeço


:


o que vem de todos os lados me atinge.










* Poema integrante da coleção “PSI O QUÊ? poemas aleatórios, ul-trágicos e mani-cômicos”, Kebel Assis, BH, 2004.






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sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Nº00 – dez./2009 ISSN 2176-8005

Cinco segundos para finalizar


Cleber Lizardo de Assis, Psicólogo, Mestre em Psicologia/PUC MG



Os eventos e fatos noticiados pelas diversas mídias acerca dos seqüestros e assassinatos por homens de todas as idades e que não aceitam o fim de um relacionamento amoroso podem evocar diversas hipóteses de respostas dos especialistas das mais diversas áreas. Não fecharemos questão.

Essa cena, somada a outra cotidiana e corriqueira presenciada dentro de um ônibus dia desses, me provocaram algumas reflexões sobre a cena contemporânea e algo que chamarei de cena pática.



No ‘busão’ em Beagá [cena corriqueira]

Deslocava-me por BH, a caminho da universidade e nem precisa dizer, na típica ‘correria’ e lutando contra cronos, o senhor do tempo representado pelo relógio; dentro do ônibus, presenciei a seguinte cena que poderia ser vivida em qualquer esquina do país: quatro meninos, adolescentes com cerca de 16 anos entraram com mochilas, vitalidade e suas conversas típicas; assentaram e diante de uma parada do ônibus num ponto, um deles se levanta até a janela, troca olhares e palavras com uma menina do lado de fora, negociam seus orkut’s e combinam de lá se encontrar; os colegas celebram a conquista do amigo e o felicitam pelo sucesso na abordagem amorosa num tempo tão curto, dizendo: “olha o cara, que fodão, cinco segundo para finalizar”.

Relance sobre a cena do ônibus: os ‘5 segundos’ poderiam se referir a um tempo para apenas encerrar um ciclo de conversa, uma etapa, algo metafórico e com a dica de seguir a conversa mais tarde; mas parece haver um ‘algo mais’...



Tempo do pós-tudo [cena contemporânea]

Outra cena que pode ser colocada sobreposta a anterior, seria a da atualidade que alguns chamam de pós-modernidade, marcada simultaneamente pelo fascínio e descrença na ciência e na tecnologia, pelo enfraquecimento de figuras-mestres da civilização como Deus (afinal, dizem estar morto* ), na rapidez com que tudo é experimentado (é a era do urgente!), pelas possibilidades de consumo jamais vistas e no predomínio do corpo sobre qualquer tipo de interioridade ou subjetividade (afinal, imagem é o que vale).

E tudo isso marcado pelo excesso, pelo extravasamento, onde se joga tudo pro ar.

Importante notar que nos últimos anos, sobretudo a partir da década de 80, vimos surgir um dos símbolos e emblemas de nosso tempo rápido, urgente, fluido e sem os horizontes das utopias: a música eletrônica emergiu jogando ritmicamente com o tempo, flertando com a tecnologia e acelerando ainda mais os batimentos da cultura. Mas nada contra o estilo musical, ela é apenas símbolo de algo...

Os meios de comunicação de massa também explodiram e temos na internet outra revolução em categorias como tempo, espaço e performances de todos os tipos; com a predominância do corpo e com o “declínio da alma”** , de elementos de uma interioridade em desuso, resta esteticizar o ser humano através de toneladas de pesos, litros de silicone e quilos de remédios.



Do horror ao amor [cena pática]

A palavra pathos refere-se às paixões que habitam o humano e que, em muitos casos, o deixam submetido, passivo e tomado pelo seu poder, causando-lhe sofrimento; dessa palavra deriva patologia, que sinaliza as paixões tantas que dominam o humano atual para além dos antigos sete pecados capitais; cena pática, portanto, é a aquela vivida de alguma forma por todos os humanos.

Ocorre que os impactos da cena dois sobre a cena um estão carregados de algo que discutirei aqui na cena três, podendo levar a outras cenas mais, marcadas por uma carga de sofrimento individual e social, sobretudo por nossas crianças e adolescentes.

É possível, por exemplo, encontrar crianças, adolescentes e jovens que não sabem esperar (adultos também, claro!), que ultrapassam quaisquer limites e que vivem no tempo do urgente, sobretudo para consumir desenfreada e compulsivamente; crianças, adolescentes e jovens desiludidos, sem expectativas futuras consistentes, consumidores ávidos e também atualizadíssimos das novas tecnologias; crianças, adolescentes e jovens reféns da corpocracia e dos ditames do mercado capitalista que a cada dia aperfeiçoa os modos de escravizar seus corpos pelo consumo.

Claro, os adultos com uma aumentada expectativa de vida e uma complexa infantilização ocorrente, se esvaziam de seus papéis e autoridades, e se tornam inaptos às funções maternas e paternas; mais uma vez, nossas crianças, adolescentes e jovens ficam reféns de mídias a serviço de um mercado onipotente e do deus capital.

Sem recursos simbólicos consistentes, como por exemplo, a capacidade de esperar, de lidar com as frustrações e limites, de dialogar e negociar com o outro, de ter um mínimo de culpa e responsabilidade por seus atos; sem esses recursos subjetivos nossas crianças, adolescentes e jovens partem para encontros e vivências sexuais/amorosas; mas como essas vivências tem sido experimentadas em nosso tempo?

Da mesma forma como tudo vem ocorrido em nossa atualidade: não se relaciona, pega-se; não se beija com “qualidade”, mas numa quantidade quilométrica; a menina ou o menino já não existem como pessoas pois também foram reduzidos a meros objetos a serem usados e descartados.

E as cenas-conseqüências do cotidiano doente são essas: uma infância-adolescência-juventude que não aceita limites e o ‘não’, já que hoje tudo é possível e permitido, e se usa dos corpos como brinquedos vazios de sujeitos; uma infância-adolescência-juventude intolerante e raivosa, vítima fácil de ‘algo’ impessoal que produz violências de todas as formas; que ainda nem se conhece e que vão se apropriando de outras pessoas em pseudo-relações amorosas e sexuais; enfim, meninos que matam meninas, sob a justificativa de amor.

Mas lamentavelmente é esse o amor que vem sido aprendido: um pouco de afeto trocado por muitos presentes, sem limites a suportar, nem pessoa a respeitar, sem relação para se envolver, sem tempo a esperar e sem paciência para aprender com as paixões (para Ésquilo se aprende também com o sofrimento, paixões, frustrações).

Mesmo sob o risco de acusação de um novo moralismo, parece haver um mal-estar nas relações atuais em que a vida é uma mera cena, em que o outro pode ser, literalmente, finalizado e eliminado em cinco segundos.
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* Sem uma ampla e profunda discussão filosófica, mas cf. NIETZSCHE, Friedrich. A Gaia Ciência, §125.
** Cf. KRISTEVA, Júlia. As Novas doenças da Alma. Rio de Janeiro, Rocco, 2002.


Cena poética:


ESQUIZOFRENIA





parte te quer

junto a mim



outra parte

longe daqui



parte te engole

outra parte devolve



parte te vê

outra parte descrê



parte de mim quer bem

outra parte desdém







SUBLIMAÇÃO




estudar

estudar

e

estudar





sublimação

do beijo

que eu queria te dar



Poemas integrantes da coleção “PSI O QUÊ? poemas aleatórios, ul-trágicos e mani-cômicos”, Kebel Assis, BH, 2004.



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