sábado, 28 de agosto de 2010

Nº01 – jan./2010 ISSN 2176-8005

Imagem é tudo, sede é nada

Cleber Lizardo de Assis, Psicólogo, Mestre em Psicologia/PUC MG



 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
[cena corriqueira]


Recentemente foi noticiado que um casal teve acesso como ‘penetra’ no jantar de gala do casal Obama; foi fotografado na entrada, desfilando pelo tapete vermelho, mas em breve verificaram que o mesmo não estava na lista de convidados: foi um pandemônio no esquema obsessivo de segurança americano.

Detalhe: era um casal branco, muito bem vestido segundo o traje exigido e esbanjando enorme simpatia e auto-confiança.



 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
[cena contemporânea]


Não é de hoje que frases do tipo ‘beleza é fundamental’, “o mundo trata melhor quem se veste bem’, ‘vejo como vestes e sei quem és’ etc e outra tentando contrabalancear tais valores como por ex ‘não julgue um livro pela capa’.

Enfim, não se pode negar o predomínio da imagem, o que inclui vestimenta, truques estéticos e toda a parafernália da moda, como marcas fortes de nossa cultura ocidental.

Nada de valores ligados a uma suposta interioridade, coisa do Romantismo do sec. XVIII com seus valores centrados em subjetividade, emoção/sentimentalismo e no eu; tampouco tem a ver com a relação entre os delineamentos entre corpo e mente dos gregos e que pode ser expressado na fórmula do poeta romano Juvenal e sua proposta de ‘mens sana in corpore sano’.

A coisa é bem mais simples e superficial: não é necessário ser nada, basta apenas parecer algo.

Ou seja: cada vez mais notamos um predomínio do ‘parecer’, da roupagem e do rótulo, do simples estereótipo versus conteúdo ou algo relacionado a um conjunto maior de características que constitua a pessoa.

Parece assistirmos (e isso é o que parece importar) a um grande esvaziamento de valores relacionados ao caráter em nome de outros propostos pelo sistema capitalista/consumista.

A equação torna-se simplificada: cor e biotipo ‘x’+ nacionalidade ‘y’= terrorista (lê-se caso Jean Charles), ou o seu contrário no caso da cena dos falsários da imagem na Casa Branca.

Se o acesso à realidade exige diversas faculdades de reflexão, na atualidade nota-se o seu falseamento descarado através desses subterfúgios imagéticos vendidos como a própria realidade que se transforma em show. Um tempo do simulacro e da simulação (Jean Baudrillard, 1981, Simulacro e simulação, Relógio D’água).

Também foi a pouco a veiculação de uma propaganda de refrigerante em que o slogan afirmava que ‘imagem é tudo, sede é nada’.

Veja em que ponto chegamos: até as próprias necessidades fisiológicas essenciais à manutenção da vida são subvertidas pelo reino da imagem: fome, sede e sono, por exemplo, são dirigida por um sistema midiático que alimenta um sem número de indústrias a serviço do onipresente/onipotente/onisciente consumismo.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
[cena pática]


Temos suposto psicanaliticamente que essas imagens e signos vendidos e comprados sob a forma de produtos, a cada dia supõem responder às demandas psíquicas muito primárias e formadas em tenra idade na relação mãe-bebê e que persistem inconscientemente, mas que seriam da ordem do perdido-para sempre e logo, inatingível-para sempre.

Com isso, a palavra, construto que nos faz seres simbólicos e de linguagem, que pode nos alimentar minimamente como seres de cultura, apresenta certa falência: consome-se como num acting-out compulsivo, mecânico e sem qualquer reflexão sobre o que se busca.

Nas próprias relações interpessoais, os afetos e as expressões verbais são cada vez mais substituídas por silêncios embrutecidos e compensações por presentes materiais, migalhas que não alimentam a alma.

O desejo legítimo emudece, a subjetividade se empobrece e o sujeito torna-se falido quando devia falar. Assim caminha a humanidade: luzes, vitrines e imagens camuflam o desamparo humano. Se bem que fingimento já se tornou valor de verdade.

*) enxurrada de palavras. Intervenções urbanas de Poro. disponível em: http://poro.redezero.org - O Poro é uma dupla de artistas formada por Brígida Campbell e Marcelo Terça-Nada! Seus trabalhos buscam apontar sutilezas, criar imagens poéticas, trazer à tona aspectos da cidade que se tornam invisíveis pela vida acelerada nos grandes centros urbanos, estabelecer discussões sobre os problemas das cidades, refletir sobre as possibilidades de relação entre os trabalhos em espaço público e os espaços "institucionais", lançar mão de meios de comunicação popular para realizar trabalhos, reivindicar a cidade como espaço para a arte. Através da realização de intervenções urbanas e ações efêmeras, o Poro procura levantar questões sobre os problemas das cidades através de uma ocupação poética dos espaços. (BH, Brasil – fonte: http://www.no-retornable.com.ar/dossiers/0092.html)
 
 
Cena poética:
 
DETERMINISMOS (ou cadê a liberdade?)*







me mandam






de dentro prá fora


de fora prá dentro






me mandam






de cima prá baixo


de baixo prá cima


:


eu frouxo obedeço


:


o que vem de todos os lados me atinge.










* Poema integrante da coleção “PSI O QUÊ? poemas aleatórios, ul-trágicos e mani-cômicos”, Kebel Assis, BH, 2004.






Para baixar e circular esse periódico em pdf, aqui

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