sábado, 28 de agosto de 2010

Nº02 – fev./2010 ISSN 2176-8005

Sobre o transitar nas ruas e na vida – uma homenagem ao Profeta Gentileza

Cleber Lizardo de Assis, Psicólogo, Mestre em Psicologia/PUC MG



 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Pelas ruas das cidades


Qualquer pessoa que teve a experiência de caminhar pelas ruas das grandes cidades, provavelmente experimentou uma sensação opressiva regada a cotoveladas, trombadas e empurrões.



A velocidade com que as pessoas se deslocam, a pressa com que se locomovem e o pior, a indelicadeza e o descuido com o que o fazem, somados a um número excessivo de transeuntes, a um barulho ensurdecedor e a um calor geralmente insuportável, quase levam o cidadão da urbis a um forte estresse ou quase colapso físico-mental.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O homo urbanus


A urbanidade vem gerado o “homo urbanus”, geralmente apressado (muitas vezes sem saber o porquê), carrancudo ou de visual blasé, antipático e pouco afeito ao cuidado de transitar: o que vale é a agressividade que leva às raias da violência, seja no trânsito, mas também nas calçadas.



Parece haver algo de automatismo nesse sujeito urbano. Em alguns motoristas parece ocorrer um processo de facilitação do acting-out, ou seja, tal como no clássico desenho do Pateta no trânsito, o sujeito encarapuçado por uma máquina, parece fundir com ela e ao con-fundir-se parece ter aguçado sua ilusão de onipotência. Daí, a potência automobilística lhe acelera a adrenalina e lhe freia o senso de limites. Logo sucumbe à agressividade latente, passando ao estado de violência.

Mas e nas calçadas, seria diferente o estado de coisas? Não me parece. O que notamos, guardada as devidas proporções, é um correlato de agressividade, indelicadeza e descuido na ocupação dos espaços, nas ultrapassagens perigosas e nas truculências para o acesso.




Em ambos os casos, o homo urbanus fica a um passo de se transformar numa monstruosidade moderna, posto que todo um “clima estressante” torna-se uma panela de pressão prestes a cozinhar a suposta civilidade e revelar algo da besta fera que habita os humanos.





Descuido no transitar, descuido com o outro

Parece haver algo que esse transitar nas estradas e calçadas insiste em revelar. Algumas pistas, senão perguntas: o que rege o autômato homo urbanus seria a própria falta de senso e direção? Será que por traz dessa “falta de direção” estaria camuflada uma falta de sentido? Afinal, o que se busca de forma tão apressada e descuidada nas estradas e calçadas? Que valores regem esse transitar em correria non sense?

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tal transitar descuidado nas estradas e nas calçadas parece revelar o próprio descuido com a vida, consigo próprio e com o outro. E trata-se de um descuido de proporções diversas, em que placas de trânsito e leis anti-álcool versus volante parecem não funcionar porque o descuido com a vida chegou a um nível tão grande que as leis e a Lei parecem falidas.




O trânsito nas estradas e calçadas parece revelar o que nenhuma engenharia ou psicologia do trânsito tem elencado: para além de emissão de carteiras de habilitação de motoristas (e de pedestres talvez fossem necessárias), além de melhorias no tráfego e construção de novas vias, além do aperfeiçoamento do sistema legal, parece que temos um problema civilizacional crônico sobre o nosso transitar na vida, sobre os nossos sentidos e valores que nos levam a acordar a cada dia e enfrentar de forma agressiva o nosso mundo.



E por falar em pistas, modestamente é o que posso provocar. Não tenho a panacéia para todos os males. O Profeta Gentileza, dentre tantas inscrições poéticas/proféticas urbanas, deixou-nos desafiadores recados num dos viadutos do Rio de Janeiro (vide exposição em outra seção).



Valores para transitar a vida

Talvez, na ausência de valores consistentes e de modos de existir humanizantes e cuidadosos de transitar a vida, tenhamos sucumbido à pressão capitalista/consumista que vem nos tornado autômatos à sua imagem e semelhança.



No entanto, se do Cristo vem o mandamento do amor, do Profeta das ruas cariocas vem a pista de que podemos transitar a vida baseados em valores não tão urbanos e resistir em sermos gentis conosco, com o outro e com o nosso mundo.

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Breve biografia do Profeta Gentileza: http://pt.wikipedia.org/wiki/Profeta_Gentileza
 
 
 


[Cena visual]:
 
 
 
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Imagem gráfica de Murilo Grafics (reprodução autorizada): http://www.murilografics.com/
 
 
[Cena urbana da falta de gentileza do Estado...


“Praia da Estação, o mar revolto das Minas Gerais"

Desde o dia em que o prefeito da cidade, Marcio Lacerda, soltou o decreto proibindo qualquer evento naquele espaço, Belo Horizonte viu nascer a mais criativa, irreverente e envolvente rebelião dos últimos anos. O decreto nº13.798 tem apenas uma frase: "Fica proibida a realização de eventos de qualquer natureza na Praça da Estação, nesta Capital" (DOM 2010). Uma frase que vem causando muita confusão. Por quatro sábados seguidos jovens se banharam na praça para promover uma verdadeira desobediência civil, lírica, lúdica, bela, ousada e singela. Uma alegre forma de se encontrar e de uma geração inventar novas formas de lutar”



“O Belo Horizonte da capital mineira brilhava em sol escaldante naquele primeiro sábado de fevereiro. Munidas de seus biquínis, protetor solar, esteiras, cangas, bóias e outros apetrechos, as moças de Minas, conhecidas pela sua beleza, foram curtir mais um dia de praia. Saindo de várias partes da cidade, se dirigem até a Praça da Estação. É tradição secular mineira pegar o trem que sai dali para o litoral capixaba. No último mês, porém, o trajeto não precisa ser percorrido. A praia é na Praça.”
 
... e Cenas do povo em seu criativo protesto]
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Trechos reproduzidos com autorização de Kerison Lopes) – disponível em: http://www.vermelho.org.br/mg/noticia.php?id_noticia=123890&id_secao=76

Crédito da foto: Luther Blissett, disponível em http://pracalivrebh.wordpress.com/
 
 




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