quarta-feira, 1 de maio de 2013

[Cenas] decadadia Psicologia e Psicanálise Nº 15 – Jan-Abril/2013 ISSN 2176-8005




[Cenas] decadadia    Psicologia e Psicanálise     Nº 15 – Jan-Abril/2013
ISSN 2176-8005





Editorial

         Apresentamos o [Cenas], edição 15 – Jan-Abril/2013.
   O primeiro artigo “Comissão Nacional da Verdade....” inicia uma reflexão psicoteológica do papel da Comissão Nacional da Verdade em sua missão de investigar os casos de pessoas “desaparecidas” quando do período militar brasileiro.
       O segundo artigo, “A vida e a morte”, reflete sobre a lida e a re-significação do tempo, da vida e da morte, a partir de duas cenas-personagens.
O terceiro artigo, “A onda” de Claudel: a angústia em questão”, discute as vicissitudes da angustia e sua especial resolução na obra artística.
    Segue o poema “Forja de egos” que compõe a coletânea “psi-o-quê: poemas aleatórios, ul-trágicos e mani-cômicos”.
        Divulga-se o livro-comemorativo de 3 anos do periódico Cenas, com a apresentação da profa Dra Ana Bock, além do livro Culpa e Desculpa: o sentimento de culpa e a pós-modernidade.
        Finalmente, faz-se a chamada para submissão de artigos em 2013.

        Boa leitura e boas cenas!
        
       Cleber Lizardo de Assis, Editor.


ARTIGOS:

Comissão Nacional da Verdade: Notas Sobre Aspectos Psico-Social e Político da Investigação de Violações de Direitos Humanos no período da ditadura militar brasileira, Cleber Lizardo de Assis .......................................................................................................................................................pag 02

A vida e a morte, Marcelo Borges .........................................................................................pag 07

“A onda” de Claudel: a angústia em questão, Bruna Azevedo Léo e Jacqueline de Oliveira Moreira...........................................................................................................................................pag 11

CENA POÉTICA: Cogito, Cleber Lizardo de Assis..............................................................pag 15

DIVULGAÇÃO: Lançamentos dos livros Cenas e Culpa e Desculpa...............................pag 16

EXPEDIENTE e CHAMADA DE ARTIGOS 2013................................................................pag 17



COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE:
NOTAS SOBRE ASPECTOS PSICO-SOCIAL E POLÍTICO DA INVESTIGAÇÃO DE VIOLAÇÕES DE DIREITOS HUMANOS NO PERÍODO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA
Cleber Lizardo de Assis[1]





















[2]





“Desenterrando o passado”
            Nesse dia em que escrevo (27/11/12), acabei de assistir na TV, a descoberta e entrega pela Comissão da Verdade, de pertences do político desaparecido Rubens Paiva, aos seus familiares; na cena reportada, notei um certo conforto da filha ao receber a lista de simples objetos pertencente ao pai, quando de seu desaparecimento.
Noutras reportagens, assistimos a pagamentos de indenizações a familiares e vitimas do regime militar, a leituras de documentos emocionados e pedidos de perdão, instalação de Museu e memoriais, além de outras ações em prol da história e da verdade. Venho assistido e acompanhado diversos movimentos nesse sentido e destaco o seu valor, mesmo tocando em abertas feridas. E alguém poderia questionar: “porque mexer no passado enterrado?”

            Recentemente instituída pela Presidenta da República, Exma Sra Dilma Rousseff, mas gestada desde as presidências do Exmo Sr Fernando Henrique Cardoso e do Exmo Sr Luiz Inácio Lula da Silva, a Comissão da Verdade nasceu composta de eminentes figuras públicas e respeitadas em seus âmbitos de atuação, com a finalidade de “examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição Federal, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.”

Avalio como de nobre iniciativa a instituição presidencial e venho acompanhado, desde antes de sua criação, os movimentos investigativos sobre o destino de cidadãos brasileiros desaparecidos sob o período nacional de regime ditatorial. Nesse sentido, venho indagado sobre os possíveis efeitos das descobertas e movimentos dessa Comissão sobre indivíduos, familiares e a própria Nação.

Sobre verdade, ética e paixão
Todo o agir humano implica numa ética e numa política: nesse sentido, todo o ato de investigar exige um exercício permanente de não sucumbir-se ao pathos que preside o ser humano, em especial, dos membros da Comissão da Verdade.
Concebendo ética, a partir desse contexto em especial, como o elemento regulador de quaisquer paixões que possam dominar os julgamentos humanos, quer seja algum ranço de ódio e vingança, seja um zelo apologista a quem quer que seja, será sempre um difícil exercício de integridade, equilíbrio e justiça.
Nesse sentido, qualquer movimento da Comissão tem seu peso e implicação políticas, uma construção de discurso de verdade e de valor, fora as ressonâncias que tais descobertas possam assumir para uma política menor de partidos e coloridos ideológicos que, em geral, são permeados de moções passionais. Logo, exige-se um exercício delicado de política sóbria e racional.
A Comissão da Verdade, trilha nesse sentido, um caminho de investigação e de arqueologia sobre um campo minado recheado de tensionamentos inevitáveis, de sentimentos ambíguos, e desejos latentes e outras paixões mesmo manifestas. Mas um trabalho árduo e necessário, perigoso e de alto valor simbólico para a constituição identitária do país e, principalmente, para as famílias que tiveram seus entes queridos “desaparecidos”.





Entre o perdão e a vingança
          Alguns dilemas porque podem passar os integrantes da Comissão e por nós que acompanhamos cada resultado desse trabalho arqueológico-político, podem ser comuns a todos que estamos sujeitos aos impasses humanos: o que fazer com as confirmações de nossas suspeitas de que os nossos entes e amigos foram torturados e mortos pelo regime militar de Estado? Perdoar ou vingar? Afinal, o que fazer com as possíveis descobertas? Como reparar o já mal-feito, o feito maldito?
            Nossa cultura ocidental-portuguesa é fortemente marcada pelos matizes religiosos judaico-cristão de onde herdamos as noções de pecado e culpa, perdão e graça, elementos que constituem nossas formações identitárias, subjetividades e objetividades cotidianas[3].
Para a psicanálise, conceitos correlato ao de perdão tem sido estudado por M. Klein (“reparação”) e por D. W. Winnicott, sendo que para os pesquisadores Verztman, Pinheiro & Herzog (s/d, p. 181): “o perdão é um processo que ultrapassa a lógica da reparação e permite novos rearranjos psíquicos tanto para sujeitos culpados como para sujeitos envergonhados”[4].
Diante do fato inegável de torturas e mortes infligidas pelo próprio Estado, nos deparamos num plano nacional, com o dilema individual que perpassa nossas relações mais próximas: perdoar o ocorrido? Mas perdoar a quem, por quê?
            Em termos práticos: o que fazer dos elementos e fatos descobertos: utilizá-los para condenar possíveis algozes? Abrir feridas não cicatrizadas em vítimas do Regime e transferi-las para os atuais descendentes de ex-militares, num gesto veladamente vingativo? Um dilema aparente nesse contexto, seria o que fazer da própria Lei da Anistia, em termos de seu sentido e alcance. Mais uma vez, a passionalidade habita o horizonte das relações complexas de ambos os lados do conflito, com suas mágoas, dores e razões.
Fato é: o fato ocorreu, não há como negar. Os elos partidos de informações estão sendo reconstituídos e/ou descobertos. No entanto, outros permanecerão, para todo o sempre perdidos.

Papel nacional da Co-missão
Tais elementos não trazem o pai à vida, tampouco encerra um luto mal vivido, posto que, sem o corpo ou mesmo restos mortais do desaparecido; no entanto, tais elementos e ações fornecem “suturas” que ajudam a operar uma ligação psíquica individual e social, uma reconstituição de elementos memoriais e afetivos que se tornaram perdidos e fragmentados na história de filhos, familiares e amigos, e que agora podem fornecer certo amparo ou, no mínimo, uma prótese de sentido aos que ficam.
Um dos sentidos do perdão[5], nesse contexto especial, não é fingir que a ofensa não tenha ocorrido, mas admiti-la, assumi-la como sua, e ministrar a possibilidade de restauração da relação partida; entretanto, para restaurar é necessário encontrar os cacos que se partiram, mas sem a pretensão de restauração de uma absoluta condição anterior, o que é de todo impossível; é ainda, assumir que no horizonte das relações humanas, o erro ou pecado é um elemento constitutivo de ambos os lados da querela e ofensa, mesmo que ambos tenham seus motivos, o que torna o encontro em momento de perdão mútuo e em busca de um novo caminhar mais amadurecido.
As descobertas, ações e movimentos da Comissão da Verdade têm, portanto, esse desafio: ajudar a conciliar afetos e desafetos, manifestos e latentes, individuais e coletivos, não tão passados e presentes, em nome de um novo caminhar nacional sob a égide do Estado Democrático de Direito.

Referências:
LIZARDO DE ASSIS, C. A Clínica e o Sagrado – Pesquisa e Reflexões sobre Teologia Cristã e Psicanálise, Curitiba: Editora CRV, 2011.

VERZTMAN, J. PINHEIRO, T. & HERZOG, R. Vergonha, culpa, depressão contemporânea e perdão (Projeto de Pesquisa do NEPECC-UFRJ). UVA, RJ , p. 178-183; disponível em: < http://www.uva.br/trivium/edicao1/pesquisa/1-vergonha-culpa-depressao-contemporanea-e-perdao-ufrj.pdf>





[1] Psicólogo, Psicanalista, Docente das Faculdades Integradas de Cacoal – UNESC/RO; Doutorando em Psicologia/USAL; Autor de “A Clínica e o Sagrado”, “Culpa e DesculpaO Sentimento de Culpa e a Pós-Modernidade”, dentre outros. Ex Integrante do Fórum Mineiro de Direitos Humanos e Comitê Mineiro de Educação em Direitos Humanos.
[2] Desenhos de Renato Castaman, especialmente para o Cenas.
[3] Para aprofundar nesse assunto, recomendo a leitura de nosso livro, baseado em pesquisa e reflexões em teologia cristã e psicanálise, onde defendemos tais articulações sob o que defendemos ser uma teologia psicanalítica. (mais detalhes nas referências)
[4] Nesse texto, os autores supracitados mencionam sua pesquisa que relaciona vergonha, culpa e perdão a casos de depressão, melancolia, fobia social e transtorno do pânico, dentre outros; apontam ainda diversos autores que tem se debruçado sobre o tema do perdão.
[5] Sugerimos a leitura de algumas concepções sobre perdão por diversas religiões: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u36184.shtml






A VIDA E A MORTE
Marcelo Borges[1]
A noticia!
Um aluno do Colégio N. S. A. cometeu suicídio ontem, escolheu o veneno para se matar, tomou muitos analgésicos, conforme mensagens trocadas com amigos em um site de relacionamentos. Os colegas pareciam indiferentes ao problema do rapaz. Um deles respondeu: "com remorso não vou ficar".
Todos se chocam ao ler a notícia trágica de um adolescente que, tão cedo e tragicamente, finda com a própria vida, enquanto isto, em outro lugar da cidade nasce Manuela, uma linda bebê, saudável, para a felicidade de sua família.
Roberto deixa sua mensagem de despedida e diz: “Eu tava esperando o momento certo para fazer isto. Mas o momento é o mais cedo possível ... Eu só precisava justificar isto. Consertar as coisas. Me perdoem, só que vocês tem todos e eu? O que eu tenho além de um jeito louco, sonhos?   Me desculpem”.
Enquanto isto na maternidade, Manuela recebe os seus primeiros convidados e entre sorrisos e presentes, tem o prazer de vir ao mundo e iniciar sua vida!



Vivendo e morrendo
Como a vida muda. Como a vida é muda. Como a vida é nuda.
Como a vida é nada. Como a vida é tudo.”[2]

Ao nascermos, nossas células estão biologicamente morrendo a cada instante, o tempo não pára e no poema vida e tempo, da filósofa Viviane Mosé, vemos um questionamento: “ quem tem olhos pra ver o tempo soprando sulcos na pele, soprando sulcos na pele, soprando sulcos...” , seria sábio manter a consciência da finitude para uma vida melhor? Ter a certeza do nosso fim é a única certeza que o humano pode afirmar? Então, porque não pensar nele para obter uma vida mais plena?
Em sala de aula, questionando alunos sobre o que fariam se soubessem que a vida terminaria no dia seguinte, as oito da manhã? As respostas variavam das mais diversas maneiras, tais como fontes de reparação, como fontes de inspiração, como fontes de despedidas ou até mesmo uma vontade de “ficar junto” de alguém que se ama e quer bem. Em seguida o questionamento: Porque esperar o fim para tentar ser feliz?
Sim, Manuela agora está pronta para ir para casa, afinal depois de um dia agitado de tantas visitas e cortejos, sua vida inicia-se em um lar, aconchegante e esperançoso de dias felizes e prósperos para o que está por vir. Enquanto isto em outro canto da cidade, Roberto também sai com destino ao seu novo lar e com o sono da morte, sem esperança, apenas com seus sonhos e sua loucura, desejando um descanso eterno.

A vida segue seu rumo, lentamente...
Falar sobre a morte, às vezes pode parecer difícil e muitas pessoas evitam o tema e até mesmo pensar no assunto, pois causa uma sensação de sofrimento antecipado.
A ansiedade e o medo são dimensões do sofrimento humano que Freud (1930), dedicou um olhar em Psicanálise. Esta sensação de perigo eminente, seja através de nossa imaginação ou de um fato real, coloca o ser humano em alerta constante e talvez como forma de alívio para o ego. Conter tamanha ansiedade é acionar um mecanismo de defesa para lidar com pensamentos armazenados no inconsciente, pois “acreditamos” ser melhor não pensar neste assunto, segundo o dito popular “Deus me livre, não quero nem pensar nisto”.
Irônico ou não, o paradoxo desta questão está no fato de que o ser humano, muitas vezes fixa-se na infelicidade e perde a luz de uma vida plena e ajustada, porque esquece exatamente que um dia irá morrer e que a vida é finita.





















Viver sem a vergonha de ser feliz.
Enquanto as ciências buscam respostas para coisas do universo, os filósofos cosmológicos buscavam esta compreensão, mas dentro do universo humano a maior das descobertas ainda está para emergir, a receita da felicidade e da vida eterna; porém, a felicidade constante ou a vida eterna, seria o tédio. Estaria o ser humano pronto para ser eterno? O oscilar entre todas as emoções é o que nos torna pleno. Saber variar entre as adversidades que a vida trás, é o que torna a completude humano completa.
Freud (1930) afirmou que as pessoas tendem a valorizar tudo o que os outros possuem e subestimam tudo que verdadeiramente tem valor em suas vidas; realmente subestimam as suas próprias vidas, pois buscam apenas, riquezas, poder ou o sucesso, deixando de lado o valor simples e realmente importante que é o viver sem esperar o amanhã que é incerto. Freud admite que jamais viveu com o sentimento de eternidade que afeta a maioria das pessoas, não se tratando de um artigo de fé, mas de um sentimento de grandiosidade e de poder.
Viver é amar, é poder saborear cada minuto que é dado de presente ao ser humano, e amar é não condenar a coragem ou o medo de quem vai e de quem chega. Roberto sentia com o nada, Manuela chega com o tudo, será que podemos julgar?
Eclesiastes 3, nos trás uma reflexão muito interessante sobre o tempo, que há para tudo: “ Tudo neste mundo tem seu tempo...Há tempo de plantar, tempo de  colher... Tempo de nascer e tempo de morrer”.
Roberto e Manuela, tiveram seu tempo!

Referências:
FREUD, S. (1917), Luto e Melancolia. Obras Completas: Vol. XIV Ed. Imago. 1ª Edição Standard Brasileira; 1974; São Paulo, SP.

FREUD, S.(1930/1997), O Mal-Estar na Civilização, Rio de Janeiro: Imago

MOSÉ, V.(2001), Pensamento Chão,  Ed. Sete letras

SOCIEDADE BÍBLICA INTERNACIONAL. (2000), Bíblia Sagrada: Nova versão Internacional, São Paulo


[1] Psicólogo especializado em Psicopatologias, com trabalho e experiência em Dependência Química, desenvolvido na SEAS (Secretaria do Estado de Assistência Social e Direitos Humanos- Amazonas) e CONEN-AM. Professor de Psicologia Aplicada ao Direito na Unesc-RO e Psicologia na FAP-RO.
[2] Carlos Drummond de Andrade, Parolagem da Vida.




“A ONDA” DE CLAUDEL: A ANGÚSTIA EM QUESTÃO

Bruna Azevedo Léo[1]
Jacqueline de Oliveira Moreira[2]



“A Onda” ou “As Banhistas” (1897-1903). Camille Claudel.


O sujeito entre o desamparo e a opressão
Tomando como exemplo a escultura “A Onda” ou “As Banhistas” (1897-1903) de Camille Claudel, podemos pensar que a imagem das três personagens de mão dada prontas para serem engolidas por uma onda gigante nos remete ao tema da angústia e do desamparo (MORGENSTERN, 2010). O sujeito se encontra, de um lado, desamparado e impotente diante da força avassaladora da natureza, e de outro, oprimido pelas normas sociais que dissolve a sua individualidade. Este duplo movimento encontra-se em sua base o afeto da angústia. Afeto inominável que encontra a sua expressão ou forma na produção estética de Camille Claudel.
O interesse em estudar os aspectos da angústia consequente da vontade em Camille Claudel se insere quando compreendemos que, ao libertar a sua vontade no processo de criação, Claudel liberta também a própria angústia causada pela permanência dessa vontade. Ao libertar a vontade, o artista (no caso Camille Claudel) nega a vontade individual e passa a assimilar o mundo, unificando-se a ele, através de um estado de contemplação. Assim, o artista expressa com sua linguagem o afeto que escapa à representação das palavras.

Angústia, vontade e estética
A questão pática que nos mobiliza nesse ensaio são as possíveis saídas para a angústia humana que se realizam na formatividade estética. Assim, buscaremos na filosofia de Schopenhauer e na psicanálise freudiana elementos que possam oferecer fôlego compreensivo para a obra “A Onda” de Camille Claudel.
Schopenhauer (1819), em seu livro “O Mundo Como Vontade e Como Representação”, apresenta-nos, como ponto de partida, a seguinte afirmação: O mundo é a minha representação. Ao fazer essa afirmação, ele nos introduz à idéia de que o mundo como é entendido é puramente uma percepção individual, uma representação subjetiva, determinada pela vontade humana.
Para Schopenhauer a Vontade se apresenta como o princípio último de todas as coisas. O autor compreende o universo como manifestação e expressão da Vontade Una e Infinita. Sem rosto ou forma, a vontade arde em todas as coisas do mundo, inclusive no homem. Sendo o cerne do homem habitado pela Vontade, o homem está condenado ao estado de desejo infinito, portanto ao sofrimento. Segundo Moreira: “A Vontade, autêntico significado do universo, se vê presa numa corrente de desejos e insatisfações infinitas, cristalizando, assim, a positividade do sofrimento como verdadeiro núcleo do mundo” (MOREIRA, 1996, p. 55)
Esse sofrimento é presente devido ao fato de que, por mais que um indivíduo procure satisfazer a própria vontade, essa vontade nunca será saciada, pois a vontade é mutável e sempre estará presente. A saída para o sofrimento, portanto, seria a negação da vontade. Negar a vontade é o que permite o ofuscamento da angústia por ela causada. Uma das formas de negação da vontade individual é a criação estética e a fruição da arte, pois no ato de criar e fruir o sujeito ultrapassa a vontade individual.
Schopenhauer, partindo da idéia kantiana do substrato supra-sensível, encontra a Vontade como a principal essência humana. Para Schopenhauer, a experiência estética, seja do criador ou da pessoa que vai fruir, é necessariamente destituída de vontade individual e sofrimento, ou seja, ultrapassa o mundo fenomênico.
A fixação no mundo fenomênico, segundo Schopenhauer, significa fixação ao campo do sofrimento e da angústia, portanto a produção estética, o ato ético e a mística representam saltos metafísicos em direção a Vontade Una, ou seja, a cessação da angústia.

Alguns tipos de angústias
O termo angústia (angst) na obra freudiana faz referência a um afeto desprovido de representação, não se deixa simbolizar; um sentimento de inquietação e de sofrimento diante de uma ameaça real ou imaginária (ROCHA, 2000).
Na conferência O Estado Neurótico Comum (1917), Freud apresenta a diferenciação entre os conceitos de angústia realística e angústia neurótica.
A angústia realística é definida como aquela que é racional, inteligível. Pode se relacionar com o reflexo de fuga, uma manifestação da pulsão de autopreservação. A angústia realística também pode ser compreendida como um alerta diante da presença de um perigo real. Porém, essa angústia não poderia ser tão forte de forma que tornasse o sujeito vulnerável e incapaz de reagir ao perigo.
A angústia neurótica, por sua vez, é definida por Freud como a angústia por um perigo desconhecido. É aquela produzida sem que exista um perigo aparente ou algo existente que exponha o sujeito a um perigo.  
A partir do caso clínico de Hans, Freud (1909) postula que toda a fobia de angústia remonta uma fobia infantil. Ele percebe uma pequena relação entre a angústia de castração e a consolidação de uma fobia. Compreende também que a força motriz do recalque seria a angústia presente frente a um perigo de castração iminente.
 Negando a sua primeira hipótese, Freud mais tarde afirma que a angústia é a verdadeira produtora do recalque, e não o contrário. A angústia não parte da libido recalcada, mas sim é caracterizada como sendo a expectativa de um trauma, sendo também recriada automaticamente ao ser exposta ao medo de o sujeito estar presente ao desamparo (ROCHA, 2000). Mas, quais as possibilidades de tratar esta angústia que está na base do psiquismo humano?
A teoria freudiana propõe a intervenção clínica como possibilidade de circunscrever, no campo do discurso, um quantum de angústia, não esquecendo que sempre haverá um resto. A filosofia schopenhaueria pensa o homem como um enfermo metafísico, ou seja, a angústia não se refere somente ao campo da constituição subjetiva e da patologia. Em Schopenhauer (1819), a angústia advém do desconhecimento metafísico da Vontade como princípio e da consequente fixação na crença ilusória da individuação, ou seja, da total diferença entre os seres. Para este filósofo, todos são iguais em princípio e o encontro com esta verdade é libertador.

Arte-dissolução da angústia
Assim, a criação estética, o fenômeno moral e a mística possibilitam a dissolução do Véu de Maia, a ultrapassagem do princípio de individuação e a consequente abolição do egoísmo. No ato da criação estética, o artista se libertar das diferentes amarras sociais, subjetivas. Assim, a produção artística se revela como um acontecimento fora dos limites. A arte é um encontro com a verdade metafísica. Desta forma, a escultura de Claudel oferece belas formas de expressão da sua angústia. De outro lado, nossa angústia encontra uma expressividade no momento em que nosso olhar contempla a “onda”, porque estamos todos nesta mesma situação.

REFERÊNCIAS:
FREUD, S. (1909). Analise de uma fobia em um menino de cinco anos : o pequeno Hans. 1977. Pequena coleção das obras de Freud. Imago, Rio de Janeiro, 1977, Livro 34. 150 p.

FREUD, S. (1917). Conferência XXIV: o estado neurótico comum. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 16. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 379-392.

MOREIRA, J. O. A negação da vontade: o problema da fundamentação da moral na filosofia de Schopenhauer. 1996. 172p. Dissertação (Mestrado em Filosofia) – Universidade Federal de Minas Gerais. Orientadora: Maria Lúcia Mello Cacciola

MORGENSTERN, A.. A onda: um mergulho ao encontro do desamparo. Ide,  São Paulo,  v. 33,  n. 51, dez.  2010.   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-31062010000200008&lng=pt&nrm=iso>. Acesso abr.  2013.

ROCHA, Z. Os destinos da angústia na psicanálise freudiana. São Paulo: Editora Escuta Ltda. 2000. 169 p.

SCHOPENHAUER, A.. (1819). O mundo como vontade e representação. Rio de Janeiro: Contraponto. 2004. 431p.



[1] Graduanda de Psicologia, PUC Minas.
[2] Doutora em Psicologia Clínica, Professora da Pós-Graduação em Psicologia da PUC Minas.




[Cena] poética



FORJA DE EGOS[1]
(haikai)








Me canso do que desfaço

descanso do que faço

no intervalo mais cansaço











[1] Poema que compõe a coletânea “Psi-o-quê: poemas aleatórios, ul-trágicos e mani-cômicos”, In: ASSIS, K. O Surto, 01, maio/2005, Belo Horizonte.






Lançamentos:

O Livro “Culpa e Desculpa: o sentimento de culpa e a pós-modernidade”, trata da culpabilidade em sua perspectiva histórica, clínica e social, sua influência sobre o laço social e os processos de subjetivação, levando a consequências como sofrimentos psíquicos (“novas patologias”: adições, distúrbios alimentares, depressões e síndromes do pânico, bulimia, anorexia, vigorexia etc) e sociais (enfraquecimento do interdito e da lei, socius patogênico, violências, delinquências, consumismo etc).


 “50 anos da regulamentação da profissão e publicação do livro Cenas, organizado pelo professor e psicólogo Cleber Lizardo de Assis, da UNESC Cacoal, em Rondônia. Que Psicologia temos hoje, depois de 50 anos e que se apresenta nesta publicação? Uma Psicologia interessada no cotidiano. Uma Psicologia com sensibilidade para a vida vivida; que sabe olhar em volta e que vê o que nos cerca. Sofrimentos, alegrias, dúvidas, perguntas, novos hábitos, novas questões são a matéria prima desta Psicologia que encontramos em “CENAS”. Além disto, os objetivos que guiam a publicação expressam também o compromisso da Psicologia com a população. Buscar dar forma e linguagem às questões pesquisadas e teorizadas pela Psicologia de forma que a população leiga possa ter acesso e enriquecer sua compreensão do cotidiano. Vale a pena conhecer “Cenas” e conhecendo esta obra se pode ter conhecer aspectos da Psicologia e seu compromisso com a dignidade da vida cotidiana.” Ana Mercês Bahia Bock: Psicóloga, Doutora em Psicologia, Professora Titular da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da PUC-SP; Ex-Presidente do Conselho Federal de Psicologia gestões entre 1997 e 2007.







































































































EXPEDIENTE E CHAMADA DE ARTIGOS 2013

1 Do título: [Cenas] periódico de psicologia e psicanálise ISSN: 2176-8005

2 Linha Editorial e Conceito do periódico:
- Com fins sociais e para público diverso, visando discutir temas da atualidade a partir de olhares da psicanálise e psicologia (diversas abordagens e linhas teóricas);
- Movido por um “espírito agenciador de ricos processos de subjetivação”, de desafio à criatividade de existir, de circulação do saber acadêmico no social;
- Reflexão sem ‘achismos’, sem o protocolo dos artigos clássicos; simples sem ser simplista;
- Tática: circulação em formato digital, em pdf, e armazenamento no site, podendo ter impressões livres e solidárias desde que citadas a fonte e a autoria;
- Perfil de autoria: discentes e professores de Psicologia e Psicólogos.

3 Instruções a autores de artigos:
- O Artigo deverá ter uma média de 850 palavras, em temática livre, sobre/a partir do cotidiano e seguindo a Metodologia Cenas para a sua produção (abaixo); O autor deve-se indicar sua afiliação institucional e breve currículo;
- Fonte: arial; tamanho 11; espaço 1,5
- Referências: ABNT e APA

4 Metodologia Cenas (observar a sequencia para a produção do artigo):
Cena Cotidiana: Extrair do cotidiano uma cena presenciada/vivenciada, que lhe chamou a atenção e que pode se tornar uma questão para a Psicologia;
Cena Contemporânea: A cena anterior deve ser “ampliada”, de forma a identificá-la em outros locais e contextos, de forma que a perceba de forma recorrente, mesmo que variando a forma;
Cena Pática: É a apresentação de qual seja a “questão pática” envolvida, ou seja onde está o “x” da questão para sujeito psi (“Pático” é oriundo de “pathos”, termo grego que significa estado de passividade, de paixão) – portanto, é o cerne da discussão e do problema;
Aqui se pode evocar alguns autores importantes para contribuir para o problema, mas de forma a facilitar para o leitor um aprofundamento posterior;
Cena Nova: É o momento em que deve apontar as “pistas” para a resolução do problema, sem a tentativa de resolvê-lo ou fechar a questão; é o momento de vislumbrar novos cenários e as cenas inventivas.

5 Outras linguagens: O Cenas aceita submissão de outras linguagens como poesia, artes visuais e plástica, crônicas, contos e outros, desde relacionados à temática psi.

Editor Responsável:
Cleber Lizardo de Assis
Facebook: prof.cleberassis

Acesso às edições anteriores: www.cenasdecadadia.blogspot.com.br


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