terça-feira, 24 de maio de 2011

[Cenas] decadadia Psicologia e Psicanálise Nº06 – Abril/2011 - - ISSN 2176-8005

[Cenas]
decadadia                          Psicologia e Psicanálise                    Nº06 – Abril/2011
                                                                                                                                               ISSN 2176-8005
EDITORIAL:
Psicologia e Humanização na Saúde: mais que pacientes, sujeitos!

            Apresentamos o Cenas, edição 06, que trata da humanização no contexto da saúde e do hospital mediado pela Psicologia. Nesse sentido, defende-se que, mais que um mero número de prontuário ou um código nosológico, o “paciente” é, sobretudo, um sujeito digno de direito, de respeito e de um tratamento digno. E a Psicologia tem muito a contribuir nesse desafio.
            Os artigos foram escritos por acadêmicos/as do curso de Psicologia da UNESC/RO, supervisionadas por docente e apresentam, a partir de suas práticas, contribuições inéditas a essa área em que o psicólogo tem consolidado seu espaço profissional.
            Boa leitura e boas cenas!
            Prof Ms Cleber Lizardo de Assis, Editor.


Artigos:
Sobre pitis e os abusos do saber biomédico ...........................................................pag 2
A Psicologia, o parto e os outros ...........................................................................pag. 6
Saúde humanizada em Cena:
Equipe de Psicologia Hospitalar, Cacoal-RO.......................................................pag. 9


Cena Poética
No hospital, Antônio Miranda.................................................................................pag. 10



Sobre pitis e os abusos do saber biomédico
Marivone F. de Assis Rodrigues[1]


The surprise  answer, René Magritte, 1933


Era noite de sábado do mês de dezembro, o pronto socorro de um hospital com muitos pacientes aguardando atendimento alguns com quadros mais graves outros menos. Aproximadamente às duas horas da manhã chega uma mulher aparentando aproximadamente 30 anos, adentra ao pronto socorro aos prantos dizendo sentir muitas dores de cabeça.
O acompanhante diz que ela necessita de atendimento com urgência, a atendente fica em dúvida sobre qual procedimento tomar, se faz a ficha e pede para que ela aguarde para ser atendida ou se passa a jovem senhora na frente dos outros pacientes que aguardavam na recepção: diante do impasse, resolve perguntar ao médico plantonista: _ Doutor chegou uma paciente chorando com muita dor de cabeça e o acompanhante disse que ela precisa ser atendida com urgência, o que eu faço? Passo ela na frente dos outros ou digo para ela aguardar?


O  médico pede para a atendente a ficha.  Quando o médico olha a ficha diz: “ _É ela de novo! Ela é a mulher do piti, isso me deixa louco de raiva, ela não tem nada! A belezoca briga com o marido e eu tenho que pagar o pato! Deixe-a esperando mais um pouco, primeiro eu vou atender quem realmente está doente, depois eu vou atendê-la. Hoje ela vai  saber o que é dor de verdade! Vai ser água destilada!”.
A atendente volta e diz ao acompanhante da mulher que tem algumas pessoas que chegaram primeiro e que também estão sentindo dor e que, assim que o médico terminar, ele vai atendê-la.


História do piti
Diante da cena supra-citada,  façamos uma reflexão: o que é “piti”? será uma mera encenação ou de fato patologia? O que levou o médico optar por essa conduta? Qual a melhor forma de solucionar esse mal estar?
Vamos por parte, primeiro vamos entender o significado da palavra “piti”: o dicionário informal nos diz que é um “barraco”, “chilique”, raiva, impaciência e que tem origem na palavra “pitiatismo”, termo designado por  Badinski em 1857,  para as às perturbações compreendidas na série da histeria que se cura pela persuasão. Antes , por volta de 1825,  um neurologista chamado Charcot  já estudava o problema da histeria pelo método da hipnose.
No mesmo período dos estudos de Badinski , Freud e Breuer investigam os mecanismos psíquicos da histeria, onde concluem que essa neurose era causada por lembranças reprimidas e de alta magnitude emocional e que os sintomas sensoriais e motores não seguiam os circuitos do sistema nervoso. Sendo que os distúrbios sensoriais, tinham grande abrangência nos órgãos dos sentidos, podendo provocar grande sofrimento com dores agudas, sem causas orgânicas, e ainda, variar desde uma sensação peculiar até  a hipersensibilidade ou anestesia total.
No entanto, podemos concluir que o mal estar que esta cena porta não nasceu no contemporâneo, mas que tem raízes e vem sendo estudado ao longo dos séculos, mas que muitos profissionais ainda desconhecem.  Na atualidade raramente os sintomas da histeria são apresentados puros como nos estudos de Freud, na maioria dos casos estão associados ou mesclados com outros sintomas.
Em segundo lugar vamos refletir sobre  a conduta do Médico: Foucault[2]  ao estudar as relações de poder, levanta a problemática do poder vinculado ao conhecimento e ao Estado; podemos aqui fazer um recorte onde o médico detém o conhecimento, considerados como “semi-Deuses” das estruturas orgânicas. O que não é do seu conhecimento não existe!
Poder, esse que vem se arrastando desde o nascimento da medicina e que se agrava com as estruturas capitalistas consideradas egocêntricas, imediatistas e individualistas; então podemos concluir que o mal estar do médico faz parte de um sistema e não de um caso particular.
La Prêtre Marié, René Magritte, 1958

Cenas que respeitam, até mesmo, os pitis
Podemos apontar como parte da solução para o mal estar da cena inicial, o saber da Psicologia Hospitalar que está pautada nos aspectos psicológicos em torno do adoecimento, onde seu olhar vai além do biológico.
Simonetti[3]  aponta a subjetividade como objeto de estudo do psicólogo no contexto hospitalar, com objetivos filosóficos de curar quando possível, aliviar quase sempre e escutar sempre. Diferentes da filosofia da medicina que é sempre curar a doença e salvar vidas.


É importante deixar claro que a Psicologia não está no hospital para melhorar a medicina: o papel do psicólogo é humanizar. Como aponta Chiattone e Camon[4], o psicólogo no contexto hospitalar é parte importante na integração e humanização da equipe.
Quando se fala em humanização da equipe de saúde  Brackes[5] e outros diz que os “profissionais de saúde parece desumanizar-se, favorecendo a desumanização na prática”; a doença na atualidade muitas vezes passa a ser o objeto do saber científico e tecnológico se desvinculando do individuo, e se os equipamentos e o conhecimento da ciência não o visualiza, ela não existe.
Diante do exposto cabe a nós recorrermos às questões éticas na intenção de ser útil na solução do mal estar. Para muitos a ética é um estudo sobre os costumes e ações humanas, no entanto ela também pode ser a própria realização de um tipo de comportamento. O problema da ética se divide em dois: Problemas gerais e fundamentais e os problemas específicos; primeiro está ligado ao próprio eu, como a liberdade de escolha, a consciência de cada um, o bem, o valor e a lei. Já o segundo está relacionado ao social, ao profissional, a política, ao matrimonial, ao social.
Enfim, é a maneira como os indivíduos conduzem nas suas relações, sendo assim, como estabelece uma dimensão basilar para humanizar a equipe de saúde. Sabemos que a ética está em varias dimensões e possui o poder de seduzir, de condicionar o comportamento das pessoas. Assim, os costumes e culturas podem mudar a ética, pois algo que há anos no passado era considerado errado hoje pode ser aceito como certo.
 Então, o saber da ética junto com o saber da Psicologia Hospitalar e a atuação do psicólogo hospitalar  podem ser ferramentas valiosas na solução do mal-estar  entre a jovem mulher e o médico, mas infelizmente não basta só o querer individual, pois o problema vai desde a dimensão individual, coletiva e social. 


[1] Acadêmica do 9º período do curso de Psicologia, Faculdades Integradas de Cacoal - UNESC/RO


[2] FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 23ª edição, Rio de janeiro: Graal, 2007. 
[3] SIMONETTI, Alfredo. 1959. Manual de Psicologia Hospitalar: o mapa da doença. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.
[4] CHIATTONE, H. B. C. A Significação da Psicologia no Contexto Hospitalar. In: ANGERONI-CAMON, V. A. (org). Psicologia da Saúde: Um novo significado para a prática clinica..SP: Thomson Learning2006.
[5] BACKES, D. S.; LUNARDI, V. L, LUNARDI, W. D. A humanização hospitalar como expressão da ética. Rev Latino-am
Enfermagem 2006 janeiro-fevereiro; 14(1):132-5. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rlae/v14n1/v14n1a18.pdf>, acesso em 21/03/2011







A Psicologia, o parto e os outros.
Leila Gracieli da Silva[1]


The Menaced Assassin, René Magritte, 1927

O parto
Certa vez, durante o período de estágio em psicologia hospitalar pude presenciar um parto natural. Literalmente natural! A cena foi a seguinte: durante as orientações rotineiras sobre os aspectos psicológicos do aleitamento materno deparei-me com uma gestante que reclamava muito das contrações e que em curtos intervalos de tempo gritava por auxílio médico. Até aqui tudo estava aparentemente tranquilo, afinal é normal que as gestantes reclamem das dores advindas das contrações, não é?
Pois bem, resolvi me aproximar e tentar estabelecer um rapport com a futura mamãe. Ela me olhou e relatou que achava que seu bebê estava nascendo, de fato, estava. Na verdade, a cabeça do bebê já estava toda para o lado de fora. Obviamente eu estremeci e confesso: DESESPEREI, internamente, claro! Não podia transparecer que estava tão nervosa quanto à mãe ou talvez mais do que ela. Mas admito, o desespero era tamanho que eu não sabia se puxava o bebê para fora ou se empurrava ele para dentro enquanto a equipe médica não chegava.
Quando a equipe finalmente chegou o parto já estava praticamente pronto. Mãe e bebê fizeram um belo trabalho juntos, tanto que os profissionais limitaram-se a “aparar” o recém-nascido e em seguida cortar-lhe o cordão umbilical. Chamaremos esta cena de “parto não humanizado”, combinado?

A história dos nascimentos e os problemas para nascer
O nascimento é um processo único e universal. Partindo desse inegável pressuposto, podemos observar que esse acontecimento é marcante por múltiplos fatores e que envolve a participação de várias pessoas, como a mãe, a equipe de saúde, o pai, os tios, avós e demais parentes, sem contar as colegas de enfermaria da puérpera/mãe e, claro do bebê.
As formas de nascimento se modificaram. Antes só havia o parto natural, que era feito pela “parteira”. Atualmente contamos com diferentes tipos de partos e com uma equipe médica disponível. A questão é: o que acontece quando a assistência médica demora pra chegar, ou pior, quando ela não chega?
Vamos considerar o fato de estarmos vivenciando o século XXI e que a essa altura do campeonato a medicina, além de ser uma de nossas mais antigas ciências, tem avançado significativamente nos últimos tempos. Vamos também destacar que o Ministério da Saúde, juntamente com a Organização Mundial de Saúde (OMS), tem enfatizado incisivamente a importância do parto humanizado em hospitais e maternidades de todo o Brasil.
Considerando estes apontamentos, qual seria então o número de pessoas que nascem em condições semelhantes e/ou piores do que o bebê relatado nos parágrafos anteriores? Qual seria a realidade das maternidades e hospitais públicos do nosso país? E para finalizar com chave de ouro, como a psicologia pode contribuir inserida nesse contexto?

Cenas que podem reverter esse quadro
Em resposta aos questionamentos supracitados é possível argumentar que existem órgãos competentes que fazem a estatística da natalidade do nosso país, fato. Todavia, não existem relatos confiáveis das condições em que os bebês têm sido recebidos neste mundo. No que se refere à contribuição da psicologia há uma vasta gama de possibilidades para reverter esse cenário desumano, são os intitulados psicólogos hospitalares.
É do conhecimento da maioria que a Psicologia é uma ciência que trabalha com as questões voltadas para os seres humanos, sua saúde, qualidade de vida física e mental entre outras variáveis. Compete a este profissional, quando inserido no contexto hospitalar, dedicar-se à humanização, à qualidade e dignidade de vida de todos os inserido no referido cenário, paciente, familiares, equipe de saúde e etc[2]. Desta forma, o governo precisa investir na contratação de profissionais psicólogos para atuarem nos hospitais fomentando a humanização do ambiente e mediando conflitos entre equipe-paciente-família[3], visto que o psicólogo possui as ferramentas necessárias para realizar tais intervenções.



A Psicologia, o parto e os outros
É lei, desde 2005, que o parto seja humanizado e acompanhado, não podemos esquecer o direito inerente à vida segundo a Constituição de 1988. Faz-se necessário que as autoridades competentes criem maneiras de garantir que tais leis sejam cumpridas. No papel tudo é muito bonito, mas apenas isso não basta. É necessário remunerar melhor os funcionários da saúde, a rotina é cansativa, cadê o reforço? É importante que as faculdades capacitem seus acadêmicos, futuros profissionais, com vivências humanas, literalmente falando. Não é “só mais uma grávida”, ou “só mais um trabalho”, é a vida do bebê que está vindo ao mundo, é a vida da mãe, repleta de ansiedades, medos e inseguranças. Não é apenas mais um parto, ou ao menos não deveria ser!
Enfim, este é o mundo no qual nascemos e cá estamos. A Psicologia não pode humanizá-lo do dia para noite. Tem-se que trabalhar pouco a pouco, inter e multidisciplinarmente. Nas palavras de uma psicóloga hospitalar importante: “concretizar um saber é tarefa vagarosa[4], e de acordo com os sábios ditos populares “a pressa é inimiga da perfeição”, portanto, vamos por partes, ou melhor, por partos!



[1] Acadêmica do 9º período do curso de Psicologia das Faculdades Integradas de Cacoal-UNESC/RO.
[2] SIMONETTI, Alfredo. Manual de Psicologia Hospitalar: o mapa da doença. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004. 
[3] - Para saber mais sobre parto humanizado, acesse: http://www.partohumanizado.com.br/artigos.html.; sobre a Lei do parto humanizado, acesse: A lei do parto acompanhando. Disponível em: http://www.e-familynet.com/artigos/articles.php?article=624.
[4] CHIATTONE, H. B. C. A Significação da Psicologia no Contexto Hospitalar. In: ANGERONI-CAMON, V. A. (org). Psicologia da Saúde: Um novo significado para a prática clinica. SP: Thomson Learning2006.





Saúde humanizada em [Cena]:


Esta é a equipe de acadêmicas e psicóloga em estágio de Psicologia Hospitalar, Cacoal- RO, com atuações junto aos setores pediátricos e obstétrico, oferecendo suporte psicológico tanto a pacientes e acompanhantes.
Os estágios ocorreram ao longo de todo ano de 2010, teve como supervisor o prof Cleber Assis e atualmente a supervisão da profa Ana Nóbrega (centro).
Além dos estágios, o grupo de acadêmicas Leila Gracieli, Marcilene Silva, Marivone de Assis, Márcia Cristina da Silva, Roseni Masiero e Josélia Souza tem apresentado artigos científicos na área da Psicologia em diversos eventos como: XL Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Psicologia e no III Congresso Internacional de Especialidades Pediátricas (Curitiba).
O grupo de universitárias compõe as turmas do 9º e 10º período do Curso de Psicologia da UNESC, que se formarão como a 1ª  e a 2ª turma de Psicologia da região centro-leste de Rondônia.






[CENA] poética: NO HOSPITAL, Antonio Miranda

Já passaram por aqui em desfile
médicos, enfermeiras, técnicos,
nutricionistas, fisioterapeutas,
pessoal da limpeza, eletricistas.
Só faltou a turma do pagodão da Aruc
e do street dance porque não estava na hora deles.
Até um palhaço errou de porta e apareceu.
Ah, e a senhora da Pastoral.
Todos sorrindo como num parque de diversões.
Fizeram as mesmas perguntas, as mesmas anotações,
tiraram sangue, injetaram soro,
me viram por instrumentos.
Já disse o meu nome dez vezes.
Um enfermeiro queria chupar o dedão do meu pé.
A comida sem sal, sem sol.
O médico mostrou o meu pênis para seus alunos.
Olharam no vídeo.
Ficaram satisfeitos, tiraram fotos
e tomaram notas nos cadernos e laptops. Um sucesso!
Meteram uma sonda pelo anus
e aplaudiram emocionados,
as imagens em tempo real
e um pouco de sangue coroou a aula-show.
Faltaram apenas os autógrafos.
Lavaram as mãos com álcool gel
e saíram em fila mais sábios do que nunca.
Evitei fazer caretas.
O médico mostrara que os procedimentos funcionam
e logo me abandonaram
no escuro do quarto
e me deram uma pastilha para a hipertensão.
Relaxei e dormi.
Diante de mim as pedras
de minha vesícula
num vidro
e nenhum sonho.
Não dou o nome do tranqüilizante
porque esta paz é intransferível.
Orientaç

[Cenas] é um periódico de psicologia e psicanálise, de produção independente e pode ser reproduzido desde que citados a fonte e a autoria; objetiva a discussão das cenas humanas na atualidade, em perspectivas psi, multidisciplinares; tem por base conceitos como acessibilidade, sociabilidade e conhecimento com relevância social – criador e editor: Cleber Lizardo de Assis edições anteriores para baixar e circular: http://cenasdecadadia.blogspot.com


Orientação para submissão de trabalhos: 1) Público-alvo: estudantes, pais, educadores; 2) Pede-se linguagem acessível, de contribuição psicossocial, mas sem o formato acadêmico clássico; 3) Priorizar temática com relevância social, a partir do campo psi em suas mais diversas teorias e abordagens; 4) Formato do artigo: média de 800 palavras, fonte garamond 12; 5)Metodologia “Cenas”: buscar a seqüência de “cenas” cotidiana, contemporânea, pática e outras (profiláticas/interventivas etc); 6) Além de artigos, poderão ser submetidos materiais inéditos de outros formatos: poesia, charges, crônicas, breves contos etc 7) Email para envio: kebelassis@yahoo.com.br



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Boa noite.












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