[Cenas]
decadadia Psicologia e
Psicanálise Nº 16 – Maio-Ago/2013 - ISSN 2176-8005
O HUMANO: ESSE ESTRANHO
Editorial:
Apresentamos o Cenas,
edição 16-maio/agosto 2013, onde trataremos da Estranheza: o humano tão comum
mas tão estranho, o estranho no humano, o estranho no outro e no social.
Nessa lógica, o primeiro artigo A
expressão camuflada da violência: nossa participação nesse processo
antropofágico, fala das
contradições em torno da vivência do fenômeno da violência; O artigo A
busca por repostas mágicas: sequestrando o indivíduo do mundo real trata do fenômeno pós-moderno de abuso
de medicamento para lidar com nosso o nosso estranho mal-estar; o terceiro
artigo, Esse nosso estranho de cada dia com uma breve perspectiva da nossa constituição e funcionamento
estranho segundo a Psicanálise.
Segue na seção Cena-Poética, A
casca sobre os dilemas da lida com as estranhezas que temos que tratar
na relação com o outro/eu; em Foto-Cena cotidiana, Edson, na-morador de rua retratos
de um personagem amante nas/das ruas de Cacoal, cena que deixamos estranhar nos
diversos ambientes urbanos.
Boa leitura e boas cenas! Prof Ms Cleber Lizardo de
Assis, Editor.
ARTIGOS:
A expressão camuflada da
violência: nossa participação nesse processo antropofágico, Vanda
Rodrigues Lopes........................................................................pag 02
A busca por repostas mágicas:
sequestrando o indivíduo do mundo real,
Jéssica Martins de Assumpção.........................................................................................pag 07
Esse
nosso estranho de cada dia, Cleber
Lizardo de Assis......................................pag
11
CENA
POÉTICA: Cascas, Natália Gregório...................................................................pag
15
FOTO-CENA
COTIDIANA: Edson, na-morador de rua................................................pag 16
A
EXPRESSÃO CAMUFLADA DA VIOLÊNCIA: NOSSA PARTICIPAÇÃO NESSE PROCESSO
ANTROPOFÁGICO
Vanda
Rodrigues Lopes.[1]
A violência lícita
Toti
é um garoto curioso de 6 anos, é filho de pais separados, presencia a luta do pai trabalhando no
plantio de horta para vender na feirinha da vila. A mãe de Toti vive na cidade
um pouco mais distante, trabalha como acompanhante de luxo de empresários que
visita a cidade. O pai não permite a convivência diária de Toti com a mãe, por
não aprovar o seu trabalho. O menino sente falta da mãe e tenta entender porque
o pai não aprova o trabalho dela. É um garoto que corre solto pela vila,
convive com muita gente, é um tanto tímido, gosta muito de jogar futebol com
seus amiguinhos e é estimulado pelo pai que tem uma paixão por esportes, leva o
filho a todos aos jogos e lutas que conseguem entrar, além de assistirem tudo
juntos na TV.
O
Sr. Naldo pai de Toti[2]
tenta compensar a ausência da mãe, que ele mesmo faz questão de manter, pois
não suporta a ideia da mãe de seu filho ter a profissão que tem. Fala para o
filho que a mãe empresta o seu corpo a estranhos por dinheiro, e faz isso
parecer para o filho uma situação imperdoável. Aconselha o filho a praticar
esportes e lutar para ser sempre o melhor, além de afirmar o tempo todo que é
necessário ajudar e apoiar sempre os coleguinhas.
Certo
dia Toti assistindo com o pai, um jogo de boxe na tv, vê sua euforia quando o
seu ídolo da luta soca o seu oponente, dizendo “tá vendo filho você também um
dia será um vencedor e terá muito dinheiro”. Toti fica assustado, então num
repente o filho desarma o pai com uma pergunta nada inocente: “pai, a mamãe não
sente dor quando empresta o corpo dela? Porque o outro lutador que empresta o
corpo dele para o campeão bater, parece sofrer muito e sentir muita dor e
também sai sangue, é por isso que você gosta tanto dele? Mas não gosta que a
mamãe empresta o corpo dela?”
A violência aos olhos da criança
Ao nascermos já
possuímos uma carga de expectativas em relação às competições da vida, seja
pelo esporte ou por um bom salário. Na escola desde o ensino infantil somos
incentivados a praticar esportes, ou seja, competir; é provável que, por ouvir
muitas vezes a frase “não é suficiente participar é preciso ser o melhor”,
cristalizamos esse modo de pensar e passamos então a praticá-lo.
No decorrer da vida tudo
tem um preço, se alguém triunfar, é certo que alguém foi derrotado. E quem está
preocupado com o preço que pagou aquele derrotado? Nestes termos o importante mesmo é triunfar.
Por
outro lado ouvimos pregarem sempre que devemos nos preocupar, ajudar e apoiar
aos outros, e que o ser humano depende e apoia um ao outro. Pensamos agora: de
que forma uma criança de 6 anos interpreta esses dois ensinamentos que vão
aprendendo paralelo ao outro? Como é possível apoiar, ajudar o coleguinha,
quando na verdade preciso estar atento o tempo todo para ser sempre melhor que
ele?
Quando
crianças, os esportes mais praticados são os jogos de bolas, onde desde muito
cedo sempre terá alguém com sentimento de derrota, por mais simples que seja
uma competição: é necessário haver sempre um perdedor para contrastar com o
vencedor ou seja, para que possa triunfar o vencedor . Ao cristalizarmos essa
maneira vigilante de agir, sempre buscando o primeiro lugar, é possível sobrar
espaço para ajudar o outro, e como é esse ajudar? se você der a dica, é
provável que o outro consiga te ultrapassar, vencer , então você passa ser o
derrotado.
A Violenta paixão dos adultos
Ao
avançar na vida adulta, vemos na televisão ou ao vivo as lutas de boxe e MMA,
também chamadas de esportes, pois são disputas por grandes quantias de dinheiro
onde; para haver um vencedor, há sempre alguém sangrando, por ser esmurrado até
o limite. Quando um cai ao chão todo ensanguentado a plateia vai a loucura, e o
agressor, ou seja, o “praticante de esportes” é aplaudido de pé pelos
telespectadores. Eis o Herói, aquele que agride com permissão. Enquanto o
agredido, ou seja, o “outro praticante”, fica no chão sangrando, sentindo dor e
ouvindo os gritos da galera ao vê-lo nessas condições. O que há de errado
nisso?
E
o que são estas pessoas que se divertem diante de tanta violência lícita, como
é a personalidade dessa pessoa, que vai à loucura ao ver um ser humano jogado
ao chão e sendo esmurrado até o seu limite? qual a classificação desse tipo de
prazer? E diz-se que gosta de esportes? Fora das lutas todos lutam contra
violência, quem tem mais dinheiro compram carros blindados, fazem muros altos
em suas casas, pagam seguranças para se proteger da violência, tão parecida com
que acabara de aplaudir como esportes.
Segundo Viemero (1986), a exposição intensa a
cenas de violência torna as crianças, a longo prazo, mais agressivas. No
cotidiano da clinica psicológica atendemos crianças encaminhadas pelos
professores por agressão ao coleguinha, geralmente com queixa de ter perdido o
jogo para o coleguinha, ficando irritado e o agredindo. Outra variável
importante apontada pelo autor é quando
se trata
de adolescentes, depende a longo prazo, do grau de identificação que estes têm
com certos personagens.
De modo geral, define-se “violência” como sendo
o uso de palavras ou ações que machucam as pessoas. É violência também o uso
abusivo ou injusto do poder, assim como o uso da força que resulta em
ferimentos, sofrimento, tortura ou morte. Segundo o Dicionário Houaiss,
violência é a “ação ou efeito de violentar, de empregar força física (contra
alguém ou algo) ou intimidação moral contra (alguém); ato violento, crueldade,
força”.
No aspecto jurídico, o mesmo dicionário define
o termo como o “constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém, para
obrigá-lo a submeter-se à vontade de outrem; coação”. Já a Organização Mundial
da Saúde (OMS) define violência como “a imposição de um grau significativo de
dor e sofrimento evitáveis”.
A
violência nos é apresentada pela história, desde o início da humanidade,
através de grupos dominando outros grupos, as guerras que sempre existiram;
como a destruição das grandes civilizações das Américas; a intolerância
religiosa levou à queima das bruxas em praça pública; os regimes totalitários,
e a queda desses regime; tudo isso são exemplos da violência na civilização.
(Ceccarelli, 2011, pag 33-34), porém a violência só passou a ser tema discutido
na mídia como um tema preocupante a partir de 1980.
A
Organização Pan-Americana de Saúde (Opas, 1993, 1994) discutiu em sua 49ª
assembleia, o tema da violência como prioridade, sendo um dos cinco principais
objetos de políticas especificas para a América Latina, nos dez primeiros anos
do século 21.
As
manifestações violentas são disfarçadas de formas variadas, sutis e, muitas
vezes, bem camufladas por trás de um cenário tranquilo, como em um ringue
passando por cultura, batizado de esporte. Logo o termo violência parece
variar, pois o que parece violento em certas culturas torna-se uma expressão
natural em outras formas de organização social; a pena de morte, por exemplo
nos (Estados Unidos e na China) é apenas uma medida punitiva. Fazendo referências ao socos que assistimos
na TV, ou em locais preparados para ser uma competição, são apenas esportes ,
agora se é na rua, chamem a polícia é violência.
Para Lacan, a agressividade está
correlacionada com o modo narcísico de identificação: o outro, o diferente, o
que nos remete à castração, constitui um alvo por excelência de nossa
agressividade. Entendendo que somos agressivos por sermos castrados
Para
que acha o gozo narcísico, é necessário Adaptar as pulsões à cultura, logo as
disputas planejadas seriam um meio de acesso ao simbólico, sendo possível pela
introjeção das representações culturalmente aceitas, como nas lutas de boxe.
A Violência que impõe o medo
Viver na cidade hoje é um risco constante, a violência
passou a fazer parte da vida das pessoas ao ponto de não ser tão impactante
como deveria. Mas uma coisa é certa todos querem se proteger. Como vemos que violência não é privilégio do
momento, já vem sendo praticada desde os primórdios, porém as estatísticas
mostram que vem crescendo o número de violência praticada. Existem delegacias
especializadas em punir diversos tipos de violência contra mulher, idosos
adultos e crianças. Mas será que alguém está preocupado em intervir na
nascente, ponto principal, onde é gerada essa cultura da violência?
Ao
assistir tv ou brincando, a criança aprende sobre o mundo e atua como agente
ativo em seu próprio desenvolvimento, sua capacidade imaginativa toma forma,
constrói a autoconfiança e, claro, vai tecendo seus laços afetivos, aprende
sobre a realidade e vai construindo essa realidade. No entanto a psicologia vem
lidando com psicopatas que, ao praticarem seus crimes, se inspiram em
personagens considerados heróis, exibidos na tv sem censura. Então seria esta,
a violência cultural?
Na percepção de Toti, a
profissão da mãe e de um lutador de boxe são iguais, o objeto, o empréstimo e a
função: já que ambos emprestam o corpo para ser usado por outro em função do
dinheiro. Sua dificuldade é entender porque um é herói e outro não, então pensa
que a diferença está na dor.
Considerando a definição
que tivemos de violência, onde está a diferença da violência entre bater num
ringue e bater na rua? Estaria no fato de se permitir ser agredido? As crianças
conseguem entender essa “diferença”?
REFERÊNCIAS
AQUINO,
J. G. A violência escolar e a crise da autoridade docente. Cad. CEDES vol.19 n.47 Campinas Dec. 1998.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0101-32621998000400002&script=sci_arttext>.
OLIVEIRA,
M.; MINAYO,
M. C. S. Violência um Velho- Novo Desafio a Atenção
à Saúde. Disponível em: <http://br.monografias.com/trabalhos901/violencia-desafio-atencao-saud/violencia-desafio-atencao-saud.shtml>.
SANTOS,
J. V. T. Violência e Coflitualidade. Porto Alegre: Tomo Editorial. 2009.
Resenha de: SILVA, Rosimere Aquino da. Sociologia da Conflitualidade. Revista
Sociedade e Estado, volume 25, numero 02 Maio/ Agosto de 2010.
SILVA. M. M.. Teoria da Violência, Mídia e
Direitos Humanos. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/dh/br/go/goias/teorias_da_violencia_midia_e_dh.html>.
SILVA,
M. L. M. Mimese Versus Catarse: a questão da Violência na TV. Comunicação e informação, 1998.
Disponível em: <www.brapci.ufpr.br/download.php?dd0=17264>
SILVA,
M. L. M.. Direitos Humanos, Goiânia:
Bandeirantes, 2001.
VANIER
, A. Direito e Violência, ÁGORA: Estudos
em Teoria Psicanalítica. Rio de Janeiro: Vol 7 Julho/Janeiro. 2004.
Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-14982004000100008&script=sci_arttext>.
[1]Graduada em
Psicologia pela UNESC, Perito Examinadora de Transito pela CESMATEC; Pós
Graduada em Medotologia e Didática do Ensino Superior pela FAROL;
Especializando em psicologia do Transito pela UNIP
[2] Nomes fictícios.
A BUSCA POR REPOSTAS
MÁGICAS
SEQUESTRANDO O INDIVÍDUO
DO MUNDO REAL
Jéssica Martins de
Assumpção[1]
Remédios
no lugar do vazio
Às vezes passamos por
momentos em que preferíamos não existir a ter que os vivencia-los, é assim
quando perdemos pessoas importantes nas nossas vidas.
Diante da perda do meu
avô: o sofrimento e a dor tomavam toda a família e antes que fosse dada a
noticia à sua companheira fiel, minha avó, já lhe foi ministrada medicação, com
o propósito de acalmá-la, e após alguns minutos quando a noticia lhe foi dada,
a sua reação perante o acontecimento foi lamentável, ela não chorava, parecia
estar distante, com os olhos vagando no horizonte e uma expressão de não saber
o verdadeiro sentindo do que havia acontecido.
É comum estarmos diante
das consequências obtidas pelos afeitos de excessos ou usos indevidos de
medicação nos dias de hoje, em caso de sofrimento a dor é impedida, negando que
a pessoa vivencie este momento, a justificativa é medo de possíveis
comportamentos fora dos adequados estabelecido por uma sociedade mesquinha que
determina até mesmo nossa ação diante da dor. Afinal escândalo não faz parte da moda.
A automedicação ou o uso
indiscriminado de medicamentos estão cada vez mais presente no cotidiano das
pessoas, o que é agravado pela existência de médicos que receitam remédios sem
o mínimo de amparo em exames específicos, com a contribuição da mídia sites
comercializam medicamentos controlados sem receita.
O mais lamentável é
sabermos, que diante da lista de medicamentos mais procurados estão os que
controlam a hiperatividade e estimulam a atenção, que são, na maioria das
vezes, ministrada às crianças, tornando-o conhecidos popularmente como o Remédio
da Obediência.
Comum nos depararmos com
receituários médicos prescrito variedade de medicamentos onde apenas um era
necessário ou medicamentos excessivamente fortes, tarja preta, transformando
pessoas saudáveis em pacientes dependentes
, não levando em consideração as advertências e os danos que certo mesmo podem
acarretar,como por exemplo interferência no desenvolvimento das
crianças,afeitos colaterais,danos hepáticos e super-infecções (devido ao crescimentos exagerado de micro-organismos
não susceptíveis) mais diante destas situações será que nossos médicos estão
pensando no bem estar dos indivíduos ou nos fins lucrativos,afinal os médicos
são os principais propagandista de produtos fármacos no mercado através da
informações nos receituários.
E ainda existe um mero
detalhe, a crença ilusória dos pacientes que acreditam que a medicação é a
solução para seus sofrimentos e desaparecimento de seus estigmas, o individuo
ao entrar em um consultório, acredita que ai diante daquele cenário a sua
felicidade estará de volta, mais infelizmente isso não depende apenas de uma
medicação ou uma palavra, isso representa a busca social pelo alívio imediato.
Estudo
feito na Finlândia revelou que 64% dos médicos consideraram a informação dada
pelos propagandistas como sendo "útil" e apenas 14% acharam-na
"inútil”. Fassold & Gowdey,1968, em uma pesquisa sobre as reações dos
médicos aos métodos usuais de promoção de drogas, registram que 56% dos
clínicos gerais e 37% dos especialistas consideraram o propagandista como a
fonte mais informativa e aceitável. (Barros, 1983)
A farmácia exerce uma função favorecedora para
os usos e abusos de medicamentos, pois a possibilidade de usar uma receita
informada pelo médico na ultima consulta que me fez bem, ou simplesmente me
automedicar ou ainda por substituir o médico pelo balconista da farmácia.
Dentre as medicações de alto consumo os ansiolíticos são os mais usados como calmantes,
por produzirem uma diminuição da
atividade do nosso cérebro que por sua vez permite a redução da ansiedade, na
indução de sono e no relaxamento muscular, mas também opera na redução do
estado de alerta.
“Tudo o que é demais, sobra” e faz mal
A Sociedade vive em busca
de alivio imediato, seja para compensar algo ou simplesmente evitar a dor;
vivemos cometendo excessos regidos por comportamentos compulsivos.
Além do uso excessivo de
medicamentos, praticamos muitas outras atividades exageradas: alimentação,
dietas, exercícios em academia, cirurgias plásticas, compras, uso de
computadores e TV, drogas, cigarro e jogos.
E essas atividades
compulsivas não terminam por aqui, segundo (Mendes & Próchno, 2004) Essa
hipervalorização do corpo, que cresce velozmente
na contemporaneidade, transforma os homens em servos de sua própria aparência
[...]. No entanto, algumas pessoas não alcançam o ideal de perfeição, de beleza
e obtenção de prazer tão almejado e também tão cobrado socialmente. Essas
pessoas tornam-se depositárias de angústias e adoecem.
O fato preocupante é que
estas cenas nada saudáveis são muito comuns, e se queremos viver bem é preciso
nos tornar conscientes que estas atividades compulsivas nos trazem serias
consequências com passar do tempo, desenvolvendo doenças, causando sofrimento
físico e emocional. Tudo aquilo em que ultrapassamos a medida certa, em algum
momento nos trará consequências negativas.
Se você dirigir um carro durante muito tempo e
em aceleração máxima, o motor não aguentará, assim somos nós seres humanos:
nosso corpo é uma bela maquina, porém necessita de condições ideais para
funcionar, como também emite avisos quando esta sobrecarregada. O uso de
medicamentos para estimular e dar alivio as tensões, trazem prazer imediato, mas
as consequências negativas da sobrecarga exercida sobre o corpo tendem
aparecer, mesmo em médio ou a longo prazo.
Algumas de nossas atitudes
está ligada a crenças e valores pessoais “eu tenho que trabalhar para chegar ao
meu objetivo”, ”eu tenho que malhar para conseguir obter o corpo que eu
desejo”; assim, as pessoas vão além dos limites do seu próprio corpo. Se você
trabalha bastante, mas gosta daquilo que faz e cuida da sua saúde física e
mental, isso é saudável. Porém, o problema é com aqueles que trabalham
absurdamente, concentram todas suas energias naquela atividade, mas acabam se
esquecendo de todo o resto de sua vida. Essas áreas que foram negligenciadas de
atenção com certeza vão cobrar o seu tributo e não será barato: geralmente
através de doenças, a maneira que o organismo encontra de impor limites.
É preciso fazer diferente em relação à
dor mental
A solução do problema esta
em tratar a compulsão enraizada pela ansiedade, resposta do nosso organismo
quando algo não anda bem. Se resolvido o problema, a ansiedade se vai e nos
sentimos tranquilos, e somente poderá retornar se nos colocar novamente naquele
contexto e no mesmo estado mental fragilizado.
Porem não é assim que
funciona: negamos-nos à sabedoria do nosso organismo e simplesmente ignoramos a
sensação de ansiedade, sem analisar a natureza do problema ou da situação que
nos causa à ansiedade; ao contrário, respondemos a isto nos entupindo de
remédios, atacando a geladeira ou anestesiando-nos diante da TV ou do computador.
Com esse comportamento
impensado, nos impedimos de compreender o que nosso organismo biológico e
psíquico tenta nos falar, que algumas áreas de nossa vida não estão bem
resolvidas e deveriam ser revistas com mais atenção. É preciso que nos
autoanalisemos e vejamos que precisamos de ajuda, não de geladeira cheia ou de
outras distrações, mas sim de um profissional capacitado a nos ajudar a achar a
causa da ansiedade que nos leva a ações compulsivas.
Aprender a lidar com a
ansiedade e outro mal-estar é sem duvidas aliar-se a uma vida saudável,
senti-la em momentos especiais é normal e benéfico, porém é importante lembrar
que há vários tipos de dores e transtornos mentais e que cada um reage de uma
forma, por isso é importante que haja um autoconhecimento das suas reações e indispensável
o acompanhamento psicoterápico uma ajuda especializada nesses casos.
Referências:
BARROS, J. A. C (1983).
Estratégias mercadológicas da Indústria Farmacêutica e o consumo de
medicamentos. Rev.Saúde públ.,
17(377-386). Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rsp/v17n5/03.pdf
BARROS,
J. A. C (1983). In.: FASSOLD, R.W. &
GOWDEY, C.W. Asurvey of physicians' reaction to drug promotion. Canad, med.
Ass. J., 98:701-5, 1968.
MENDES,
E. D. & PRÓCHNO, C. C. (2004). Corpo e novas formas de subjetividade. Psyche, V.8 15 (147-156). Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/psyche/v8n14/v8n14a09.pdf
ESSE
NOSSO ESTRANHO DE CADA DIA
Cleber
Lizardo de Assis[1]
Cenas criminosas na TV “Mundo Cão”
Vez
e outra deparamos com um caso escabroso e de ampla comoção pública, em que
geralmente alguém assassina outrem com requintes de crueldade. Daí, a mídia em
geral e em especial aquela do tipo jornalismo “mundo cão” se esbalda, os
factóides alardeiam de forma tempestiva o fato sangrento, vendendo mais que os
comerciais e com repercussões imediatas junto ao povo nas ruas que comenta,
palpita e tece as mais criativas explicações do fato medonho.
Prefiro
não me fitar em nenhum dos casos noticiados recentemente (e o serão sempre),
afinal são tantos em que fulano mata,
desaparece e até come a carne de ciclano,
que opto em discutir algo que liga as diversas cenas criminosas, sob uma
perspectiva de uma “uma tal metapsicologia”, ciência humana e, portanto,
inexata, mas saber consistente de nossa sociedade ocidental: a psicanálise.
Neo-tele-teatro grego
Primeiro:
os noticiamentos desses eventos macabros causam as mais diversas ordens de
sentimentos e afetos, indo do riso à indignação, passando pela piedade, pelo
pânico e, pasmem, até um certo prazer que, incômoda, mas ocorrendo de forma inconsciente.
Tal fenômeno tem certa
similaridade com o efeito catártico produzido pelas cenas trágicas do antigo
teatro grego sobre a platéia[2]:
ou seja, é impossível ficar indiferente às cenas sangrentas, pois algo nos une
por identificação, seja ao agressor ou à vítima, ou a ambos. Mas, como assim?
Sim, é possível esse mix de sentimentos, desejos e afetos num amálgama de ódio,
desejo, prazer, medo, culpa, riso e choro e tantas outras moções pulsionais.
E
aqui um segundo ponto, mais complexo: a identificação pode ser tanto em relação
à vítima (“puxa, podia ter sido eu”) como em relação ao agressor (“eu também
faria isso”): o que nos liga a esse fenômeno é que, similarmente, a par do
cenário criminal, é que somos humanos como eles são humanos e algo nos liga do
mesmo modo num pacto inconsciente. Mas, aceitamos essa condição de similitude
trágica que nos remete à essa parecença com seres angelicais e infernais?
Mas,
eis uma terceira questão: pode o infame agressor ser chamado de “humano”, em
especial, após cometer tamanha barbárie? Ou seria um mero animal o autor de
tamanha barbárie? Será que teríamos tamanho potencial destrutivo e criminoso em
nós mesmos? Afinal, não somos seres bonzinhos e criados à imagem e semelhança
do divino?
O estranho em mim! Em mim?
E aqui evoco o “amodiado[3]”
Freud[4] em seus estudos sobre a alma humana, terreno onde
nenhum de nós se salva como santos da nossa tradição judaico-cristã: guardamos
nos porões da mente, desejos violentos e perversos em relação às mais diversas
pessoas de nossa vida, inclusive, as mais queridas. Obviamente, todas essas
pulsões são inconscientes, latentes, “adormecidas” e, portanto, vivas.
No palco do psiquismo
habita esse ator com diversas máscaras, co-existindo em suas ambíguas e
múltiplas pulsões e conforme a ocasião, fazendo com que categorias como bem e
mal não estejam mais tão radicalmente separados.
No
entanto, na constituição da identidade, personalidade e subjetividade de cada
sujeito, precisa-se de uma “barreira” de contenção desses impulsos agressivos
no lugar devido, de forma que, no máximo, tal energia possa se transformar em
produtos disfarçados e socialmente aceitos; daí, a formação de sonhos (ou
pesadelos), a produção cultural e até mesmo a criação de sintomas. Tal barreira
chamada de ‘recalcamento’ e que atende, ao mesmo tempo, a uma tríplice necessidade
biológica, psíquica e cultural.
Mas
há um problema relacionado a essa ‘barreira’: ela pode ser mais ou menos
funcional de acordo com cada sujeito e sua constituição desde a expulsão do
ventre materno, mas nunca absoluta em seu papel de contenção; ela pode sofrer
variações também em decorrência do grau de pressão endógena e estresse a que é
submetida no cotidiano. Como pode também chegar ao ponto de ter falhas graves
ou nem existir em casos de estruturas psicóticas e perversas, deixando o
invólucro humano oco de humanidade e prenhe de animalidade. E vocês sabem, ser
humano e sustentar a vida é um exercício de alta complexidade e gerador de
grande “mal-estar”, e num paradoxo, sacrificamos um alto índice de energia
pulsional em nome da civilização, mas, no entanto, se déssemos vazão a toda
essa pulsão, destruiríamos a própria civilização (Freud, 1929).
Associada
a essa barreira fundamental e necessária, opera ainda a própria capacidade
racional de refrear os impulsos e os demais mecanismos de defesa, de forma que
a desmesura da paixão (do grego ‘pathos’)
não subverta a razão que se constitua o leme de nosso agir no mundo, de nossas
atitudes e de nossa frágil ética e pacto sociais. E aqui estamos novamente e
solidariamente iguais como humanos.
Estamos
novamente com o dilema de sermos/termos uma casa racional (ego) em que insiste
governar as paixões inconscientes, remetendo-nos a uma cisão radical e a um
permanente embate conosco mesmo e com o outro. O outro se torna inferno em
termos sartreano e felicidade na poesia de Jobim. Somos seres de conflito.
Lembro-me novamente de
Aristóteles que, ao discutir o sentido da virtude, a definiu como “equilíbrio
entre dois extremos”[5].
Os extremos não fazem bem. Aliás, podem fazer um bem extremo e, portanto, mal.
Os extremos são da ordem da desmesura, da desmedida, do caldo passional que
entorna e subverte a tênue ordem. Algo como os excessos que presidem os 7
pecados capitais. Mas, num outro extremo, obviamente, não devemos privilegiar
somente a razão sem as doses de sentimento e paixão, pois o excesso racional
também é da ordem patológica. O equilíbrio funcionaria aqui como uma espécie de
ideal.
Quem atira a primeira pedra?
Mas
quem de nós humanos consegue viver permanentemente nesse equilíbrio? Quem de
nós não tem uma paixão desmedida ou um simples pecado para atirar a primeira
pedra? A essa indagação visceral do Cristo, retomo Freud (1917): “o eu não é
senhor em sua própria casa” que traduzo por: “somos escravos de um estranho em
nossa própria casa”.
De
outra maneira: estamos sujeitos a rompantes passionais de alta nobreza e
bondade, mas também a outros abomináveis e criminosos, sendo que tal ordem e
grau de intensidade, bem como os mecanismos de controle podem variar de sujeito
para sujeito, de contexto para contexto.
Fato
é que estamos em risco permanente, individual e socialmente, fazendo da
civilização um frágil produto de difícil sustentação, diga-se de passagem, os
horrores das guerras mundiais, o holocausto nazista e outras atrocidades
humanas.
Afinal, somos portadores
de algum tipo de condição singular que realmente nos torna humanos
sabedores/fazedores do bem e do mal, mesmo que sem a devida nitidez e controle
na sua demarcação; tal condição nos torna uma sociedade de estranhos e uma paradoxal fraternidade de fraticidas.
Mas seguimos assim, assistimos
às novelas do terror cotidiano e não sabemos, ou fingimos desconhecer o
‘estranho’ que em nós habita.
Referências:
ARISTÓTELES. A Poética. Trad. e
comentários Eudoro de Sousa. Lisboa: Casa da Moeda, 1990.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Seleção
de textos de José Américo Motta
Pessanha. 4. ed. , São Paulo :
Nova Cultural, 1991.
FREUD, S. O Mal-Estar na civilização.
Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud,
Vol. 21. Rio de Janeiro: Imago, 1929.
FREUD, S. Conferências Introdutórias sobre Psicanálise. (1915-1917).
Vols. XV e XVI. Publicação original: In.:Gesammelte Werke, Londres: Imago,
1944.
[1] Mestre e Doutorando em Psicologia; Professor de Psicologia na
UNESC-RO. Email: kebelassis@yahoo.com.br; Homepage:
cenasdecadadia.blogspot.com.br
[2] Para aprofundamento: ARISTÓTELES. A
Poética. Trad. e comentários Eudoro de Sousa. Lisboa: Casa da Moeda, 1990.
[3] Brinco com o neologismo de J. Lacan,
“amódio”.
[4] Difícil indicar apenas uma obra, daí
remeto o leitor à sua obra completa.
[5] Vide Ética a Nicômaco ; Poética.
Seleção de textos de José Américo Motta
Pessanha, 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1991.
[CENA] POÉTICA:
Cascas
Natália Gregório[1]
Olho no espelho
E nele está refletido
Algo que pra mim não é bom
Mas para os outros é bom
Eu gosto de verde
Mas porque não posso usar verde?
Porque tenho que usar vermelho?
Eu não gosto de vermelho.
Eu queria pentear meu cabelo d’outro
jeito
Mas eu tenho que pentear desse jeito
Eu não gosto dessa maquiagem
Mas eu tenho que usá-la
Eu não gosto dessa música
Mas eu tenho que ouvi-la
Eu não gosto dessa roupa
Mas eu tenho que vesti-la
Pergunto-me o porquê de viver assim
Viver pelos outros
Viver para os outros
Viver igual os outros
Não quero ser ‘a diferente’
Mas não quero desaparecer na multidão
Não sou feita de barro
Não posso ser moldada várias vezes
Isso aos poucos me machuca
Mas não posso chorar
Porque ninguém quer me ver chorar
Ninguém quer me ouvir chorar
E se eu perguntar o porquê disso
Apenas falarão que ‘é assim’
Mas é assim o que?
Viver dentro de uma casca é assim?
Mas vejo que não acontece só comigo
Sorrisos forçados estão por todo lado
Eu queria poder ajuda-los
Mas eles querem estar no ‘padrão’
Não queira ser padronizado
Seja quem você queira
Seja quem te faz bem
Seja alguém que te faça feliz
Mas enquanto eu e você
Não podemos nos livrar disso
Vamos viver dentro das nossas cascas
E deixe o choro ecoar dentro delas
[1]
Graduanda em Psicologia,
Faculdades Integradas de Cacoal-UNESC/RO.
[1]
Imagens autorizadas por escrito
por Edson.
EXPEDIENTE
E CHAMADA DE ARTIGOS
1
Do título: [Cenas] periódico
de psicologia e psicanálise ISSN: 2176-8005
2 Linha Editorial e Conceito
do periódico:
- Com fins sociais e para público
diverso, visando discutir temas da atualidade a partir de olhares da
psicanálise e psicologia (diversas abordagens e linhas teóricas);
-
Movido por um “espírito agenciador de ricos processos de subjetivação”, de
desafio à criatividade de existir, de circulação do saber acadêmico no social;
-
Reflexão sem ‘achismos’, sem o protocolo dos artigos clássicos; simples sem ser
simplista;
- Tática: circulação em formato digital, em pdf, e armazenamento
no site, podendo ter impressões livres e solidárias desde que citadas a fonte e
a autoria;
-
Perfil de autoria: discentes e professores de Psicologia e Psicólogos.
3 Instruções a autores
de artigos:
- O
Artigo deverá ter uma média de 850 palavras, em temática livre, sobre/a
partir do cotidiano e seguindo a Metodologia Cenas para a sua
produção (abaixo); O autor deve-se indicar sua afiliação institucional e breve
currículo;
-
Fonte: arial; tamanho 11; espaço 1,5
-
Referências: ABNT e APA
4 Metodologia Cenas (observar a sequencia para a produção
do artigo):
Cena Cotidiana: Extrair do cotidiano uma cena
presenciada/vivenciada, que lhe chamou a atenção e que pode se tornar uma
questão para a Psicologia;
Cena Contemporânea: A cena anterior deve ser “ampliada”,
de forma a identificá-la em outros locais e contextos, de forma que a perceba
de forma recorrente, mesmo que variando a forma;
Cena Pática: É a apresentação de qual seja a
“questão pática” envolvida, ou seja onde está o “x” da questão para sujeito psi
(“Pático” é oriundo de “pathos”,
termo grego que significa estado de passividade, de paixão) – portanto, é o
cerne da discussão e do problema;
Aqui
se pode evocar alguns autores importantes para contribuir para o problema, mas
de forma a facilitar para o leitor um aprofundamento posterior;
Cena Nova: É o momento em que deve apontar as “pistas” para a
resolução do problema, sem a tentativa de resolvê-lo ou fechar a questão; é o
momento de vislumbrar novos cenários e as cenas inventivas.
5 Outras linguagens: O Cenas aceita submissão de outras
linguagens como poesia, artes visuais e plástica, crônicas, contos e outros,
desde relacionados à temática psi.
Editor Responsável:
Cleber
Lizardo de Assis
Facebook:
prof.cleberassis