terça-feira, 29 de maio de 2012

Ano 3, Nº 12 – Maio/2012

Sobre mal-estar, redes virtuais e derivas existenciais
 Cleber Lizardo de Assis [1]


[Fenômenos: Internet e Redes sociais]
Não é de hoje que a World Wide Web ou simplesmente “internet’ faz sucesso em nossas vidas; essa invenção humana é uma das maiores, senão a maior invenção no campo das comunicações, sociabilidades e intercâmbio cultural da nossa civilização.
Produto e produtora da globalização e da contemporaneidade, a “net” revoluciona as nossas vidas em todos os sentidos e modos, criando uma zona “virtureal”[2] em que realidade e virtualidade, tempo e espaço, objetivo e subjetivo, longe e perto, bem como outras categorias dissolvem suas demarcações.

É inegável, irreversível e imprevisível o que experimentaremos com esse dispositivo. E espero não estar sendo ainda futurista.

Ironicamente, em “associação livre”, lembro de minha estranheza frente ao jurássico computador na década de 90 e de minha “resistência’ em abandonar minhas cartas à tinta e meus textos datilografados na velha Remington. Tão pouco tempo e já constato como obsoleto tais práticas e equipamentos, e o pior, talvez, esteja ficando velho com tudo isso.
Obviamente, hoje utilizo e me beneficio da rede, sem saber por onde anda a nostálgica máquina estereotipada e as cartas que cederam lugar aos e-mails, mas permanece ainda a necessidade de comunicar.


[“Seguidores” do quê?[
Todo esse preâmbulo nos leva a comentar sobre alguns sub-fenômenos relacionados que quero focar nesta seção do artigo e que está relacionado a outra parafernália: o twitter.


Primeiramente, as tais redes sociais foram evoluindo (e me corrijam e complementem os experts da área) do Orkut até o seu similar, concorrente e agregador facebook. 

Engraçado que já surge uma certa classificação sócio-econômica nas/das redes sociais, de forma que Orkut se torna a rede da periferia e de pobres, enquanto o Facebook emerge no imaginário dos usuários, como a rede da classe econômica e cultural superior. Modismo ou questões classistas à parte, seguimos nossa reflexão.

Para constar: soube do Orkut ainda antes de chegar ao Brasil e na época não aderi, por não ver na novidade o brilhante mundo novo anunciado. O mesmo serve para o seu upgrade pop, “face”, que ainda não recebeu minha face também. Obviamente, sem demonizar tais dispositivos, não descarto o seu uso no futuro, afinal, parafraseando Descartes, “sem rede, logo não existo”.
Dentro da lógica da comunicação e interação social instantâneos, eis que nasce o twitter, um micro-blog, um tipo de papo rápido e superficial, ao vivo, de textos entre pessoas e usuários da web.
E aqui, mora outra de minhas questões: cria-se uma nova categoria de sujeito (ou de assujeitado), o “seguidor”. E eis minha pergunta: seguidor de quê?
Daí, forja-se umas expressões hilárias: “fulano tem 1.000.000 de seguidores”, bertlano segue ciclano” e por ai vai uma nova mania mundial, com maníacos por comunicação, na maioria das vezes, vazia e meramente verborrágica. 
]“Eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada”[

Temo que esteja ficando de fato velho do alto e das felizes quatro décadas vividas, talvez numa primeira crise de geração que compõe a entrada na “segunda idade”, mas espero não estar ficando amargo, retrógrado e anti-social.

Mas alguém explique a esse leigo: quem é esse a quem se segue? O que tal “seguível” tem a oferecer aos seus seguidores? Afinal, quem são os seguidores e por que o seguem?
Mais uma vez, minha verve romântica-nostálgica: lembro que na adolescência fui um leitor-seguidor de Sidarta Gautama (O Buda), Gandhi e Cristo, além de Nietzsche, Marx e Freud. Detalhe: eles não tinham twitter e micro-textos fofocáveis, pelo contrário, produziram elaborações densas, profundas e consistentes.
Mas, enfim, os tempos mudaram e temos novos “modelos”, avatares, signos e ícones a celebrar (cele-babar, tele-babás), devendo nos atualizar e seguir a corrente, caso contrário seria como não existíssemos na efêmera realidade ciber.
“Acabei de comprar uma Louis Vuitton baratinha nos Jardins”, “Nego que esteja namorando com....”, “A festa terá bebida free a noite toda” (....), “estou no banheiro”... Eis o teor das mensagens que os ‘fiéis’ seguidores acatam a cada segundo de seus ‘líderes’.
Obviamente, serei contestado por usuários que justificam tais usos mesmo superficiais, dado sua facilitação do processo de uma comunicação rápida e favorável a práticas do cotidiano; outros defenderão os usos diferenciados e nobres que tal mídia favorece. E, obviamente, respondo que é necessário separar o ‘joio do trigo”.
O “joio” ao qual me refiro é aquele do ensimesmamento comunicacional, do “dizer sem dizer”, do “falar vazio de sentido”, numa verborragia sem limites e da ordem da desmesura, do blá-blá-blá maníaco e eufórico.




[Você tem fome de falar e ouvir o quê?}

Aliás, euforia e efemeridade são como marcas de nosso tempo, incluindo o modo comunicacional e relacional, como a tônica do que tem se denominado ‘pós-modernidade”: não vale o dizer, mas a mera performatividade, o berrar nas redes em busca de escuta, a formação do pacto exibicionismo com seu par voyerista, o prevalecimento da imagem sobre a palavra.

Esse excesso pseudo-comunicacional já está associado à uma “nova patologia” criada e ligada ao terreno das compulsões e ao “transtorno do impulso”, com sujeito chamados adictos como de drogas e que já se organizam em “viciados em internet anônimos” e “ciberviciados”, com uma industria farmacológica-psiquiátrica já de olhos cifráveis nesse filão de novos doentes-clientes[3].

O cerne de tudo isso: criamos toda uma parafernália tecnológica-comunicacional, mas ainda tropeçamos na comunicação; Estamos fracassando nas relações reais e idealizamos uma no horizonte virtual; Tentamos, em vão, superar nosso mal-estar e desamparo, à deriva no mar revolto da web.



[1] Psicólogo, Mestre em Psicologia/PUC MG; Doutorando em Psicologia/USAL-AR; Docente das Faculdades Integradas de Cacoal-RO; Autor dos livros “A Clínica e o Sagrado”  e  “Culpa e Desculpa: O Sentimento de Culpa e a Pós-Modernidade”. 

[2] Título de um poema de Diva Paternostro. 

[3] Diversos grupos de estudos e tratamentos tem se constituído no Brasil, à semelhança dos EUA, grupos de estudos e tratamento da tal patologia: http://www.dependenciadeinternet.com.br/; http://amiti.com.br/.